Roberto Rodrigues, coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getulio Vargas (FGVAgro), acredita que o Brasil tem uma oportunidade inédita de dar um novo salto de produtividade, graças ao incremento de 20% projetado para a demanda global de alimentos em 10 anos. Porém, considera necessária uma estratégia nacional integrada, que ainda precisa ser construída, pois as tendências de consumo de alimentos em curso podem alterar significativamente, no futuro, os rumos da produção e da indústria de transformação. Na entrevista a seguir, aborda essa questão com maior profundidade.
P. Quais são as perspectivas do agronegócio brasileiro para o longo prazo?
Roberto Rodrigues – Há uma estimativa da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) que indica a necessidade de aumentar em 20% em 10 anos a produção global de alimentos para que haja comida suficiente para alimentar a população mundial. Cumprir essa meta não é fácil porque as projeções mostram que Estados Unidos e Canadá não crescem 10%; os países da União Europeia e Oceania não chegam a 12%; os países da Eurásia, China, Índia, Rússia não alcançam 15% de incremento na produção de alimentos. Para que o mundo tenha o crescimento esperado em 10 anos, é preciso que o Brasil cresça 41%. Há, portanto, uma demanda de fora para dentro inédita. O mundo está pedindo esse aumento na produção brasileira por três fatores que o Brasil tem: tecnologia tropical sustentável, terra disponível e pessoal capacitado nos diversos elos da cadeia produtiva.
P. O Brasil tem então condições de ampliar sua produção duas vezes mais do que o mundo precisa crescer?
R.R. – Sim, nós podemos crescer porque essas três variáveis – tecnologia tropical sustentável, terra disponível e gente capacitada – persistem ao longo do tempo. Agora, se vamos fazer isso, é uma questão mais difícil de responder porque depende de uma estratégia articulada e integrada voltada para o agro, que ainda não existe. O agro representa 25% do PIB brasileiro, responde pelo saldo da balança comercial em mais de 90%, enfim, tem um papel socioeconômico relevante, mas que não vem sendo compreendido, ao longo dos anos, pelo Estado brasileiro.
P. O que seria necessário para aproveitar essa oportunidade de crescimento que o mundo nos oferece?
R.R. – Precisamos de uma estratégia que contemple fundamentalmente cinco aspectos. O primeiro deles é logística e infraestrutura. No século passado, a agricultura era costeira, mas depois migrou para o Centro-Oeste. No entanto, a estrada, a ferrovia, o armazém, nada migrou. E nós precisamos colocar essa infraestrutura lá para escoar a produção em bases competitivas, mas isso acontecerá apenas quando houver segurança jurídica e as reformas forem concluídas, assim haverá confiança por parte do investidor, tanto o nacional quanto o estrangeiro. O segundo tema é a política comercial. Hoje há um protecionismo enorme entre os países desenvolvidos, com a proliferação de acordos bilaterais. A OMC (Organização Mundial do Comércio) está perdendo o protagonismo nessa mediação. O Brasil não tem qualquer acordo bilateral relevante. Então, é fundamental que esse acordo Mercosul-União Europeia saia do papel, porque é a única forma de o Brasil ter acesso a mercados de forma estruturada e também de fazer outros acordos bilaterais com China, Índia, Estados Unidos, Canadá. Precisamos estabelecer uma ampla política de comércio internacional, com mais consistência do que a existente hoje. O terceiro aspecto é a política de renda no campo, como o seguro rural, créditos e outros mecanismos para, ao garantir ao produtor a manutenção da sua atividade, se dê garantias também de abastecimento ao consumidor. Por fim, a tecnologia, que permitiu o nosso salto de qualidade e a explosão da nossa produtividade nos últimos 40 anos, não pode parar de receber investimentos, porque é um processo dinâmico. O que vem surgindo com a revolução 4.0 da agricultura é muito impressionante e precisamos, urgentemente, colocar recursos nessa área para não ficarmos atrasados. Outro aspecto atrelado à tecnologia é a defesa sanitária. É de uma importância capital. Temos que fortalecer nosso aparato, com os devidos recursos para montarmos barreiras fortes que impeçam a entrada de doenças, pragas e outros elementos nocivos ao agro.
P. Como a questão da sustentabilidade se encaixa nessa estratégia?
R.R. – Essa é uma questão transversal muito importante. Sem sustentabilidade não há competitividade no mundo contemporâneo. Preservar o meio ambiente é uma demanda legitima da juventude global e é uma necessidade real do planeta. Nós, brasileiros, temos o Código Florestal, que é uma ação concreta em defesa do meio ambiente. É preciso colocar esse tema no cenário das estratégias nacionais para que haja um reconhecimento, de fato, da competitividade sustentável do agronegócio brasileiro.
P. E no curto prazo, no aspecto conjuntural, quais são as perspectivas para o agro?
R.R. – Nós estamos no meio de um ciclo da safra de verão. Tem chovido razoavelmente bem no Brasil inteiro, embora tenha faltado chuva no Rio Grande do Sul, e parte do Mato Grosso do Sul e do Paraná. De modo geral, o clima está correndo bem. Há uma grande expectativa para a safra de verão, especialmente de soja, milho, algodão, amendoim, e outras commodities mais conhecidas. Isso também é bom para as carnes. É um ano positivo em termos de produtividade, salvo os desastres em algumas partes do país. Também é um ano de bons preços, em um primeiro momento, por conta da peste suína africana e do coronavírus. Entretanto, o cenário é muito instável porque não se sabe em quanto tempo o coronavírus será eliminado na China. Enquanto isso não se resolve, há um temor que haja um refluxo no comércio de alimentos. A China é nosso melhor comprador. Tenho uma expectativa positiva para a safra, pendente dessas questões, especialmente da situação chinesa. Se demorar muito tempo para controlar o coronavírus, os mercados vão encolher, pois haverá retração das atividades de transporte, e, consequentemente, das possibilidades de escoamento da produção.
P. Como o Sr. enxerga a relação entre a indústria de alimentos e as demandas do consumidor?
R.R. – A questão do meio ambiente é uma demanda legitima da juventude e, portanto, é algo que vai perdurar por 30 anos ou mais. Eu penso que essa vontade universal de cuidar do meio ambiente terá duas consequências para o comércio mundial. A primeira é a mudança profunda de hábitos alimentares, como, por exemplo, a redução do consumo de carnes. Isso pode provocar mudanças profundas não só na produção, mas também na indústria de transformação. E é preciso esclarecer mitos que rondam essas e outras questões. Há quem pense que a carne é produzida com o boi que vive em pastos desmatados da Amazônia, o que não é verdade. A carne é produzida no Sul, Sudeste e Centro-Oeste, sem desmatar. Mesmo que eventualmente se desmatasse legalmente uma área para criação de gado, um pasto bem formado sequestra mais carbono que a floresta madura, que emite mais carbono do que sequestra. A segunda consequência tem a ver também com o mercado. Considero essencial que o acordo Mercosul -União Europeia funcione o mais rapidamente possível, porque é um mercado vital para o Brasil. Mas alguns governos europeus não têm interesse no acordo porque vão perder espaço na produção, o que põe em risco a instabilidade econômica. Como haverá eleições na Europa, temos um certo risco de que o acordo não avance em função da maneira como as notícias do desmatamento na Amazônia chegaram ao continente. É possível que essas forças contrárias aproveitem o tema ambiental para questionar a posição brasileira.
Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado – Senado Federal do Brasil