A cidade de Feijó é conhecida em todo o estado do Acre como “a terra do açaí”. E não é para menos. Entre 2012 e 2017, a produção do município saltou de 600 para 1.600 toneladas, representando 34,7% da produção estadual. Considerando o potencial de mercado do fruto, não apenas no Acre, como em todo o país e também no exterior, cerca de cem participantes, entre produtores, gestores públicos e representantes de órgãos de fiscalização, reuniram-se no primeiro Fórum da Cadeira Produtiva de Açaí de Feijó, realizado no início de julho, no auditório do Polo da Universidade Aberta do Brasil.
O açaí tem alto valor nutricional e a comercialização da polpa está em amplo crescimento. No Brasil, 181 empresas registradas produzem açaí, 90% delas se encontram na Região Norte. Tendo em vista esse potencial, o fórum foi criado com o objetivo de implementar um espaço permanente de diálogo e alinhamento de todos os elos que compõem a cadeia produtiva, desde a coleta até o consumidor final. De caráter consultivo, também pretende balizar a construção de políticas públicas municipais voltadas à legislação e ao desenvolvimento de pesquisa e inovação no processamento do fruto.
“Precisamos entender as reais necessidades dos setores envolvidos, passando pelas questões da produção extrativa e do cultivo, manejo, processos de colheita e pós-colheita, transporte, armazenamento, agroindustrialização e comercialização”, esclareceu Dorila Gonzaga, analista da Embrapa Acre, na abertura do fórum. Para a articuladora do encontro, a integração dos diversos atores ligados à cadeia do açaí é essencial para a resolução dos gargalos, entre eles, problemas locais relacionados à coleta do fruto e normas de manipulação, escoamento e condição dos ramais, preço de comercialização e desenvolvimento de políticas públicas.
Segundo Júlia Bento, proprietária da agroindústria Nosso Açaí, um dos principais desafios para o fortalecimento da cadeia é transformar a resistência da maioria das pessoas que trabalham com açaí em Feijó e no Acre. “Precisamos de ações como esse evento para buscarmos conscientizar as pessoas para que elas modifiquem sua forma de trabalhar. Uma coisa é a gente falar enquanto empresário com os coletores sobre todos os cuidados que temos que adotar em relação à contaminação. Outra coisa é ter um fórum de debates que explica como que funciona, como tem que ser. Que não é somente a gente que se preocupa mas que por trás tem todo um movimento dos órgãos públicos, com legislação e priorização da saúde pública. Mostra que a gente tem que se adequar e sempre buscar melhorar a qualidade do nosso produto. A gente trabalha com a saúde das pessoas, por isso não podemos fazer as coisas de qualquer jeito. Se isso não acontecer, o mercado vai fechar as portas pra quem não atender as exigências”, enfatiza a empresária.
Qualidade e cuidados no processamento
Uma das principais preocupações que afeta a cadeia em nível nacional é a Doença de Chagas, enfermidade que pode ser adquirida pelo consumo do açaí contaminado pelo protozoário Trypanossoma cruzi, por meio das fezes do percevejo conhecido como barbeiro. Para evitar a transmissão, uma série de cuidados e boas práticas deve ser adotada a fim de garantir a qualidade do produto, principalmente nas etapas de coleta e processamento. De acordo com Eduardo de Farias, médico infectologista e vereador de Rio Branco que proferiu uma das palestras no evento, a pasteurização é uma das alternativas para o controle e combate à contaminação pelo percevejo. O processo consiste em mergulhar os frutos do açaí em água quente a 90ºC por cerda de dez segundos e, depois, em água fria próxima a 0ºC com agente sanitizador por cerca de dois minutos.
Em um cenário ideal, a meta é que todos os produtores de açaí realizem a pasteurização, adotando boas práticas e obedecendo, na risca, critérios de segurança para a efetividade do processo. Desse modo, é possível combater não apenas o protozoário como também prevenir a ação de fungos, bactérias, insetos e outros microrganismos que possam tornar o produto impróprio para consumo.
Desafios da cadeia
Durante o evento, os participantes discutiram os problemas e as soluções quanto aos aspectos regulatórios e desafios na produção e comercialização do açaí. Para isso, a programação foi contemplada com palestras e debates com representantes de instituições municipais, estaduais e em âmbito federal, para buscarem compreender a competência de cada um e alinhar suas legislações.
De acordo com Julia Costa, chefe da Vigilância Sanitária Municipal de Feijó, todos os órgãos de saúde e agricultura ligados aos produtos alimentícios para consumo que interferem na saúde das pessoas seguem normas que compreendem as boas práticas de fabricação. “Por isso, a gente tem que acompanhar todas as etapas do produto. No açaí, por exemplo, acompanhamos a colheita, pós-colheita, armazenamento, transporte e o consumo final. Temos que ter esse controle desde os catadores até os comerciantes, primando pela higiene. O Fórum vai contribuir para que a gente aperfeiçoe a legislação do município, somando ações para melhorar a qualidade dos produtos e a economia da região”.
A maioria da produção de açaí de Feijó é artesanal e o fruto é retirado de forma extrativista em áreas nativas da região. Por isso, além do tema principal, outros desafios foram apontados no evento. Francimar da Silva e Silva, trabalha há 28 anos com o açaí e há dois anos montou uma pequena empresa de processamento em Feijó. Ele conta que tem uma equipe com dez catadores e que no auge da safra coletam 200 quilos do fruto diariamente e produzem cerca de 500 litros de açaí por dia. “Eu vejo que a maior dificuldade é a questão da logística. Tem períodos do ano que a gente tem que percorrer quase 100 quilômetros para conseguir coletar o açaí e fazemos tudo isso de moto. A gente chega a trabalhar doze horas por dia. É muito cansativo”, relata Silva.
Para melhorar esse cenário, a Embrapa e outras instituições de pesquisa estão desenvolvendo pesquisas sobre o cultivo e o manejo do açaí solteiro (E. precatória), espécie que ocorre na região da Amazônia Ocidental, principalmente do Acre.
Ação coletiva
Resultado de uma ação conjunta entre Embrapa Acre, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e Prefeitura de Feijó, o encontro recebeu a participação de extrativistas, batedores, produtores, representantes de indústrias e agroindústrias, comerciantes, técnicos, extensionistas, gestores públicos federais, estaduais e municipais.
O fórum contou com a parceria do projeto Bem Diverso e apoio do Governo do Estado do Acre, do Sebrae, da Câmara Municipal de Rio Branco e fez parte das ações do projeto “Qualidade da matéria prima, do processamento de açaí e café e gestão de agroindústrias familiares do Acre – Fortalece”, executado pela Embrapa, que, desde 2012, contribui para a melhoria das agroindústrias familiares do município de Feijó, com ações de capacitação, eventos, cursos e seminários.
Ao final, foi aprovado por aclamação a criação de uma comissão que ficará responsável por elaborar um estatuto e coordenar a composição para efetivar os representantes no Fórum Permanente da Cadeia Produtiva do Açaí de Feijó. A primeira reunião será realizada no mês de agosto.
O envolvimento de todos os elos da cadeia produtiva, principal objetivo do evento, é imprescindível para o fortalecimento da produção local, a conscientização na adoção de boas práticas, a abertura de novos mercados e a consequente geração de emprego e renda, destaca a pesquisadora da Embrapa Acre, Cleísa Cartaxo.
Houve, ainda, a discussão para a criação de um fundo municipal e a viabilidade da obtenção do Selo de Indicação de Procedência (IP) do açaí de Feijó, assegurando que o fruto seja produzido obedecendo critérios específicos de qualidade em todas as etapas da cadeia produtiva, desde a coleta, passando pelo processamento até a comercialização do frutos.
Fonte: Embrapa.