Considerações iniciais do Prof. Dr. Carlos Ruggiego, cofundador e coordenador do portal TodaFruta – O controle integrado de pragas surgiu como uma forte crítica ao sistema vigente, exclusivamente centrado no emprego de defensivos, buscando estabelecer um novo modelo. Este respeita o ciclo da cultura para realizar o plantio em épocas apropriadas, utiliza inimigos naturais para o controle das pragas e emprega o cultivo protegido de plantas, criando uma barreira física à penetração dos insetos, dentre outros procedimentos. Essa nova linha de atuação, que recebeu a denominação de manejo integrado de pragas, mais conhecido pela sigla MIP, encontrou em Santin Gravena, entomologista, professor aposentado da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP/Jaboticabal e membro do Grupo de Consultores em Citros (GCONCI), não só um defensor, mas um aperfeiçoador. Santin Gravena também se destaca como empreendedor, por meio da empresa que fundou, a Gravena, que se tornou referência em inspeção, verificação, testes e certificação. Por todas essas razões, é com grande alegria que publicamos esta entrevista, que certamente será bastante útil aos apaixonados pelo controle integrado de pragas e doenças e aos jovens que pretendem atuar na iniciativa privada, criando sua própria empresa, e assim contribuindo para a geração de empregos, já que o desemprego tem sido o “calcanhar de Aquiles” da economia brasileira.
Equipe TodaFruta – Prof. Santin, por favor comente a respeito das atividades iniciais do Centro de Manejo de Pragas (CEMIP) da UNESP e como este enfrentou as dificuldades comuns a toda jovem empresa.
Santin Gravena – O começo de tudo ocorreu no início dos anos 1970, quando foi criado o Departamento de Entomologia e Nematologia (DEN) da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP/Jaboticabal, separado do seu Departamento de Fitossanidade. Nós éramos recém-chegados à faculdade, vindo de Bandeirantes, PR, em 1974. Juntamente com os professores já integrantes desse departamento, especialmente Sérgio de Bortoli e Antônio Carlos Busoli, demos início aos estudos de transformação do controle químico para o MIP, como estavam fazendo à época alguns dos pioneiros no Brasil. Fizemos isso porque os campos agrícolas clamavam por transformações, uma vez que os riscos de intoxicação de pessoas e animais e os efeitos deletérios ao meio ambiente eram flagrantes. Da cultura do algodão, vinham informes de que estavam sendo feitas mais de 40 pulverizações de produtos fitossanitários por safra. Da cultura do tomate, a produção somente sairia se fossem feitas 30 ou mais pulverizações por ciclo. Na cultura do café, eram feitas outras tantas aplicações contra a broca e o bicho mineiro. Na citricultura, era preciso realizar mais de 10 aplicações contra ácaros e cochonilhas. E as demais culturas de importância econômica, como soja, milho e hortifrutíferas em geral, também careciam de sistema integrado de manejo das pragas. No início, nós concentramos nosso foco no algodão, nos citros, no tomate e no café, enquanto a Embrapa cuidava da soja no Paraná.
Equipe TodaFruta – Sua atuação na formação de jovens pesquisadores é bastante significativa. Por favor, comente a respeito, destacando aqueles que continuam desenvolvendo atividades na área de manejo integrado de pragas.
Santin Gravena – O CEMIP era um centro de excelência em pesquisa, extensão e treinamento, criado por nós com o apoio da Reitoria de então e em cujas instalações e estrutura mantínhamos uma equipe de técnicos e funcionários para atender aos requisitos da pesquisa de estratégias e táticas de MIP e extensão dos resultados aos pequenos e médios produtores de citros, algodão, tomate, café e outras culturas. Para alcançar os efeitos desejados, que era a diminuição drástica do uso de defensivos acompanhada de manutenção e incremento de inimigos naturais das pragas nas lavouras, mantínhamos também um sistema de treinamento de técnicos e agrônomos recém-formados, profissionais da extensão e produtores. Finalmente, tivemos a oportunidade de orientar alunos de graduação e pós-graduação, e foi na minha gestão que criamos no DEN os cursos de mestrado e doutorado em entomologia. Sempre tínhamos um grupo de alunos desenvolvendo seus trabalhos de graduação voltados para o MIP (táticas e estratégias), coordenados também por estudantes. Dentre estes, destacava-se Pedro Takao Yamamoto, hoje professor da ESALQ-USP na área de manejo integrado de pragas. O CEMIP era uma unidade auxiliar do curso de agronomia, independente do DEN, mas a serviço dos professores deste. Foi a partir da ideia de implantação desse centro para desenvolvimento e difusão do MIP que inúmeros outros centros semelhantes foram criados e proliferaram em universidades e institutos de todo o Brasil, para nosso orgulho na UNESP.
Equipe TodaFruta – Qual a influência que seu pós-doutorado em controle biológico, realizado em 1982, na Texas A&M University, em College Station, nos EUA, teve para despertar o seu espírito empreendedor?
Santin Gravena – Na verdade, o espírito empreendedor já existia durante a função pública de professor de entomologia, exercida de 1974 a 1993. Eu considerava que a função pública deveria ter a mesma eficácia da privada. Por isso sofri muito, pois é difícil conciliar tudo. O pós-doutorado no Texas reforçou sobremaneira o espírito empreendedor, pois a função pública naquele país é tão eficaz quanto a privada, ou até mais. Os campos de algodão em que eu realizava o estudo sob orientação do Prof. Winfield Sterling, estavam situados em Huntsville, a cerca de 100 km da universidade, e eram mantidos pelos prisioneiros do Departamento Correcional do Texas (Texas Department of Corrections).
Equipe TodaFruta – Um sério problema que vivemos no Brasil é a falta de empregos. Acreditamos que uma área que deve participar mais ativamente do enfrentamento dessa questão é a dos cursos de pós-graduação, para possibilitar que cada aluno seja capaz de, ao sair da faculdade, ter devidamente equacionado seu projeto de constituição de uma pequena empresa. Qual é sua opinião a respeito?
Santin Gravena – Durante minha atividade docente, sempre estimulei meus alunos de graduação e pós-graduação ao empreendedorismo. Porém, eu próprio, ao me aposentar com 32 anos de contribuição previdenciária, acabei fundando minha empresa, a GRAVENA – Manejo Ecológico de Pragas Agrícolas, Pesquisa, Treinamento e Consultoria, inspirada no CEMIP, que, infelizmente, não existe mais na UNESP. Chegamos a empregar mais de 120 profissionais, de técnicos agrícolas a biólogos, agrônomos, mestres e doutores, em todo o Brasil, com sete estações experimentais credenciadas. Só em Jaboticabal, tínhamos 45 funcionários. Em 2012, pré-crise econômica, vendemos a empresa para a SGS Brasil, que nos procurou devido ao nosso sucesso e à ética de nossas atividades, e, em plena crise, acabou se mudando para Piracicaba. Atualmente, a estrutura da Gravena está arrendada para a LBS de Ponta Grossa, que atua na mesma área da Gravena.
Equipe TodaFruta – O Prof. Carlos Ruggiero comenta: “Tive o privilégio de acompanhar bem de perto sua trajetória, como aluno no curso de agronomia na UNESP/Jaboticabal e depois como professor nos Colégios Agrícolas de Cândido Mota e Cafelândia, o que nos enche de orgulho e satisfação pelo dever cumprido, mas, por outro lado, acende a chama da curiosidade”. E pergunta: “Tendo sido um dos idealizadores do CEMIP na UNESP/Jaboticabal, como foi o despertar do empreendedorismo em você”?
Santing Gravena – Esta pergunta já está em parte respondida na anterior, mas resta mencionar também o pioneirismo que tive oportunidade de protagonizar nos lançamentos das ideias de MIP. O MIP-Citros foi lançado por mim em 23 de agosto de 1977, durante o IV Encontro Nacional de Citricultura, em Boquim, Aracaju, SE, pelo Governo de Sergipe e pela Sociedade Brasileira de Fruticultura. O MIP-Algodão foi lançado por mim em palestra durante um Seminário de Controle de Pragas do Algodoeiro, no dia 19 de agosto de 1979, em Goiânia, GO, a convite da Embrapa. O MIP-Café foi lançado por meio de tese de livre-docência que apresentei para o concurso de professor adjunto em 30 de janeiro de 1981, sob o título “Estratégias e Táticas de Manejo Integrado do Bicho Mineiro do Cafeeiro Perileucoptera coffeella“. O MIP-Tomate foi lançado por mim em curso para 33 agrônomos da região de Tianguá e Ubajara, no Ceará, no período de 16 a 18 de outubro de 1984.
Equipe TodaFruta – Comente a respeito das atividades iniciais do CEMIP, das dificuldades enfrentadas e como se deve proceder nessas ocasiões. Você acredita em empreendedores que só aparecem na empresa só para “fechar o caixa”?
Santin Gravena – Histórias que chegaram a nós por intermédio de uma colega da UNESP/Ilha Solteira revelam que o sucesso que tivemos com as ideias de MIP e do CEMIP na UNESP/Jaboticabal influíram positivamente no crescimento do Departamento de Entomologia da ESALQ-USP, nos anos 80. Com relação aos empreendedores, não acredito que nos dias atuais o dono só apareça para fechar o caixa. Ele tem que atuar ativamente entre os funcionários, no apoio e no incentivo para que a empresa tenha sucesso nas condições brasileiras. Veja-se o exemplo do Rolim Amaro da TAM: na época em que estava vivo, a TAM cresceu vertiginosamente. Visitando a sede mundial da Microsoft em Seattle, nos Estados Unidos, vi um laguinho situado entre os 100 prédios da empresa, que é chamado de “Lago do Bill”, em referência ao empresário Bill Gates e ao sucesso da empresa que fundou, devido às meditações dele com os funcionários na beira desse lago. Aliás, eu devo alertar os empresários que, na verdade, um empresário não é dono, é apenas um administrador que só ganhará se tiver sucesso na gestão, depois de pagar muitos impostos para a sociedade por intermédio do governo.
Equipe TodaFruta – Um sério problema nas empresas é “passar o bastão” para a segunda geração. Como o sr. enfrentou ou pretende enfrentar essa delicada questão?
Santin Gravena – Foi muito tranquilo para mim, em 2005, passar o “bastão” para meu filho, Renan Gravena, que é engenheiro agrônomo graduado pela UNESP e doutor pela ESALQ. A partir de então, experimentando sangue novo, houve um “boom” de crescimento na Gravena, que chegou aos 120 funcionários de alto nível, incluindo outro filho meu, Paulo Gravena, como gerente administrativo.
Equipe TodaFruta – O Prof. Carlos Ruggiero fez o seguinte comentário: “Tenho aconselhado meus alunos a que, quando do ingresso em um curso superior, como o de Agronomia, foquem dois objetivos: 1) definir a área em que pretendem atuar, sendo ótimos profissionais; 2) definida a área, realizar estudos para, ao concluir o curso, ter perfeitamente alinhavado o projeto para sua futura empresa”. O sr. poderia comentar a respeito?
Santin Gravena – Foi também o que eu fiz o tempo todo em que fui docente na ativa (1974-1993). Cheguei até a organizar um grupo para tal, mas os participantes desistiram perante o mercado de trabalho, que era bom na época. Um outro conselho que eu dava era que não esperassem pelo último ano para estagiar com professores, mas iniciar esses estágios se possível no primeiro ano, no máximo no segundo, pois no final se formarão com um bom profissionalismo, como aliás se formaram muitos dos alunos que orientei na graduação.
Equipe TodaFruta – Comente a respeito das atividades desenvolvidas pela GRAVENA, destacando seus projetos, o número de empregos criados e a contribuição para a geração de empregos em Jaboticabal.
Santin Gravena – As maiores atividades até 2005 foram: colaborar com o Fundecitrus no levantamento de todas as espécies de cigarrinhas vetoras da CVC e suas populações no estado de São Paulo; e tomar a iniciativa de importar o parasitoide Ageniaspis citricola para controle da nova praga surgida em 1996, a larva minadora Phyllocnistis citrella, sendo que a Gravena produziu e distribuiu essa vespinha para praticamente a totalidade dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraná. Nossa equipe foi a primeira a recuperar o parasitoide em 1998 em Taquaritinga, SP. Entre outros projetos importantes, merece ser citado o desenvolvimento e a implantação do MIP-Tomate na região produtora de Paty de Alferes, no Rio de Janeiro, e nas regiões de Cosmópolis e Piedade, em São Paulo. A partir de 2005, sob a direção de Renan Gravena, crescemos de 60 para 120 funcionários e estagiários, e a atividade mais expressiva foi avaliar o impacto ambiental e efetuar o monitoramento de resistência de produtos transgênicos das empresas clientes Monsanto, Dow, Pioneer, Bayer e Syngenta. Ao vendermos a empresa, contávamos com 30 carros rodando o país todo para atender as atividades empresariais. Desde os tempos da UNESP até 2012, quando vendemos a empresa, a difusão dos conceitos de manejo integrado e depois de manejo ecológico de pragas na citricultura brasileira (com a criação e o fortalecimento da função de Amostrador de Pragas por meio de inúmeros cursos oferecidos, especialmente na cultura de citros), deve ter gerado cerca de 6 mil vagas preenchidas no agronegócio citros. Essa cifra pode ter sofrido algum revés com o advento da CVC e do HLB, mas persiste alta até o presente momento. No período de 2005 a 2012, sob nova direção, a Gravena deu ênfase a estudos sobre a eficácia de produtos fitossanitários, análise de resíduos e organismos geneticamente modificados (OGM), sob a tecnologia das Boas Práticas Laboratoriais (BPL).
Equipe TodaFruta – Como esta entrevista será disponibilizada no portal TodaFruta, dedicado à fruticultura, comente a respeito dos projetos realizados nesta área.
Santin Gravena – Uma das frutas mais problemáticas na atualidade é Citrus, devido à ocorrência do greening (HLB). É certo que o número de pulverizações sendo feitas pelos produtores e técnicos é excessivo, mas sem elas teríamos regredido como maior produtor mundial. O que parece estar devagar é o MEP-Citros com greening. A minha bandeira é realizar conjuntamente os dois manejos: Manejo Ecológico do HLB e o MEP das outras pragas integradamente, aliviando o impacto dos produtos de largo espectro, intercalando-se produtos fisiológicos e biológicos (biopesticidas ou biodefensivos), sendo que estes últimos se encontram atualmente em pleno vigor entre as grandes e pequenas empresas fabricantes.
Equipe TodaFruta – Quais outros pontos o sr. gostaria de enfatizar?
Santin Gravena – Gostaria de acrescentar que os biopesticidas estão em pleno crescimento, portanto há espaço para o surgimento de novas empresas, melhorando a qualidade pela competição de livre mercado, numa agricultura pujante que é a nossa e que sustenta o PIB Brasileiro, que está em queda nos últimos 17 anos. Outro ponto que gostaria de destacar é que, em lugar do MIP, a nossa filosofia é o MEP-Manejo Ecológico de Pragas, que tem a tendência de tornar mais ecológica a prática de controle de pragas. Para conhecer essa prática, há o livro de minha autoria à venda da livraria da FUNEP, praticamente a preço de custo, intitulado “Manual Prático de Manejo Ecológico de Pragas dos Citros”, com 372 páginas, ilustrado com fotos coloridas, para melhor orientar os profissionais da área.
Equipe TodaFruta – Para concluir, que conselho o sr. daria a um jovem ingressante em um curso de agronomia para que se aprofunde em uma área de seu interesse?
Santin Gravena – Recomendo que, já no primeiro ano, escolha a área em que gostaria de se desenvolver e procure um professor dessa área para iniciar o estágio, conduzindo trabalhos de pesquisa em colaboração com ele e participando de congressos sobre esse tema.