Nesta entrevista, Orlando Sampaio Passos, pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura Tropical, situada em Cruz das Almas, BA, analisa a evolução da citricultura brasileira.
A citricultura brasileira apresenta dados espetaculares atestando o seu crescimento. Por exemplo: dentre outros aspectos, a grande mudança observada na propagação, com o competente trabalho desenvolvido por várias equipes, possibilitando a diversificação de copas e porta-enxertos, de origem certificada, atualmente utilizados. Essa evolução possibilitou colocar o Brasil como primeiro exportador de suco concentrado de laranja e, com uma área colhida de cerca de 700 mil hectares, como boa fonte geradora de empregos diretos e indiretos, num cálculo nada exagerado de 1 milhão de empregos diretos e indiretos (com dois empregos indiretos para cada direto).No período vivenciado pelo pesquisador Orlando Sampaio Passos, a citricultura registrou a criação da Sociedade Brasileira de Fruticultura (SBF), em 1970; da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em 1973; do Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), em 1977; e da Revista Brasileira de Fruticultura (RBF), em 1978. Esse período de atuação desse importante pesquisador faz desta entrevista um importante documento para os amantes da citricultura e um repositório de parte importante da história do setor.
TodaFruta – No início da sua atividade como pesquisador da EMBRAPA, no final da década de 1960, quais eram as características relevantes da citricultura no Brasil, e como o senhor avalia as principais mudanças ocorridas no setor desde então?
Orlando Sampaio Passos (OSP) – Nesses cinquenta anos, houve uma mudança radical na citricultura brasileira, que passou de uma mera cultura de mesa para uma portentosa agroindústria. A laranja Bahia (de umbigo) era cultivada de forma quase exclusiva, indiferentemente da região produtora, se no Rio Grande do Sul, São Paulo ou Bahia (sua terra natal). Nessa época, uma visita à Flórida, como referência, era prática obrigatória. Os anos se passaram e essa prática se inverteu graças à geração de tecnologias, em especial pelo Instituto Agronômico de Campinas, e também ao empreendedorismo e à coragem do agricultor. O Brasil passou a ser também campeão da laranja.
TodaFruta – A pesquisa deve ser realizada para atender as necessidades do produtor, no sentido de lhe oferecer segurança na condução do seu projeto. Mas observa-se que os trabalhos publicados em revistas científicas, em grande volume, não chegam até o produtor. Como a Embrapa tem estimulado esta difusão de informações?
OSP – Esse tem sido um grande desafio desde a criação da Embrapa, considerando que sua missão principal é a de modificar os cenários da agricultura brasileira. Embora seja a pesquisa a função precípua dos Centros, sempre admitimos como absolutamente necessária a ação da Embrapa na área da transferência de tecnologias, principalmente nas regiões em desenvolvimento como o Nordeste. Essa assertiva torna-se mais verdadeira se levada em conta a decadência da extensão rural no País. A ausência de políticas públicas em defesa da pequena produção induz-nos a considerar o pequeno produtor como uma “espécie em extinção”.
TodaFruta – Podemos considerar a propagação como pilar básico da evolução observada pela citricultura brasileira? O senhor poderia destacar a experiência vivida nesse tema?
OSP – A propagação assexuada foi um passo gigantesco no que tange ao aprimoramento da fruticultura. Foi um salto qualitativo na geração e conservação dos recursos genéticos ligados à fruticultura. Seria impossível ter-se uma fruticultura tecnificada se não se lançasse mão dos diferentes métodos de propagação.
TodaFruta – Comente, por favor, a respeito dos novos materiais lançados como porta-enxertos.
OSP – A Embrapa elegeu como uma das suas prioridades na área dos citros a diversificação de copas e porta-enxertos, haja vista a forte concentração dos pomares em poucas cultivares. Ensaios de competição de porta-enxertos tradicionais x potenciais foi a estratégia utilizada no combate ao monocultivo, que teve no uso da laranja Azeda o seu pior exemplo, a ponto de a citricultura brasileira ser dividida em “antes e após a tristeza”. Na década de 1980, o Centro começou um programa de melhoramento genético de porta-enxertos, sob a coordenação de Walter Soares, com o objetivo de obterem-se plantas com porte reduzido, tolerantes à seca e produtoras de frutos de qualidade. Resultados positivos vêm sendo obtidos em quadras de avaliação nas regiões fisiográficas do país.
TodaFruta – Comente a respeito dos materiais lançados como copas.
OSP – A primeira ação no que diz respeito às variedades copas foi a introdução de acessos das principais coleções nacionais e internacionais. A obtenção de clones nucelares das cultivares comerciais, seguindo a escola de Sylvio Moreira, foi o passo seguinte. Nessa época, o uso da laranja Bahia (umbigo) era predominante em todos os estados maiores produtores nacionais. A partir de 1970, os clones nucelares da laranja começaram a ser divulgados especialmente na região Nordeste. Atualmente, mais 100 mil hectares cultivados nessa região são da laranja Pera CNPMF D-6. À mesma maneira adotada com a Pera, foram estabelecidas quadras de avaliação, que culminaram como o lançamento dos seguintes clones: laranjas Bahia 101, Baianinha 03, Cara Cara, Westin, Pineapple, Salustiana, Sincorá, Natal 112, Valência Tuxpan; tangelo Page, tangerina- tangor Piemonte; limas ácidas Tahiti CNPMF 01, 02, 2001, BRS Passos, Bearss lime, Persian 58, 5059.
TodaFruta – Como a citricultura em sua opinião, deverá aproveitar a propagação in vitro, para os trabalhos futuros?
OSP – O colega Antônio Souza, expert nesse tema, espera que num futuro próximo o Centro possa dispor in vitro dos acessos (75) que compõem o Banco Ativo de Germoplasma de Citros.
TodaFruta – Quais as publicações que têm sido disponibilizadas aos produtores, produzidas pela Embrapa, relacionadas à citricultura?
OSP – Livros: “Cultura dos citros”, “Cultivo dos Citros”, “Citros: 500 perguntas 500 respostas”, “Citricultura brasileira na busca de outros mercados”. Folders: “BAG de Citros”, “Recursos Genéticos” e outros.
TodaFruta – Com o fim da Frutesp, a citricultura tem sido concentrada em grandes produtores. Em sua análise retrospectiva, como o senhor vivenciou essa mudança?
OSP – Há que se analisar a citricultura sob dois prismas: 1) empresarial – em curso apesar das ameaças fitossanitárias; 2) o pequeno produtor como uma “espécie em extinção”, por falta absoluta de políticas públicas em sua defesa.
TodaFruta – Como enfrentar os sérios problemas fitossanitários por que passa a citricultura brasileira?
OSP – Várias medidas são necessárias: primeiramente, conscientizar o citricultor quanto ao intercâmbio de material propagativo; apoio do setor privado aos órgãos públicos, como foi feito na África do Sul no controle do “greening”; aparelhamento dos órgãos de defesa e fiscalização; e investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação.
TodaFruta – Para um jovem ingressante em um curso de agronomia, e que deseja ser um ótimo profissional em citricultura, qual o caminho a ser percorrido em sua opinião?
OSP – Reconhecer que o Brasil é rico e diversificado, adotar e vivenciar citros até a eternidade e escolher, como especialidade, recursos genéticos.
TodaFruta – O prof. Carlos Ruggiero, um dos criadores do portal TodaFruta, relata que tem vivenciado, como editor da Revista Brasileira de Fruticultura, “uma política quantitativa nas pesquisas realizadas”, ou seja, uma valorização da quantidade sem preocupação com a qualidade. Qual a sua opinião a respeito?
OSP – Sentimo-nos em posição incômoda ao concordar com o prof. Ruggiero, pela possibilidade de sermos julgados como saudosista, daqueles que só valorizam as coisas do passado. Convém uma análise dos trabalhos apresentados nos congressos da Sociedade Brasileira de Fruticultura. A impressão é a de que estamos retornando a meros congressos de estudantes de agronomia. Lembro-me do meu primeiro trabalho (“A importância do clone nucelar na citricultura”), apresentado em Recife , PE, num desses congressos nos idos de 1950.
TodaFruta – Para cálculo do fator de impacto, nos trabalhos publicados, somente são considerados os produzidos nos dois anos precedentes ao do ano de publicação. Os demais são considerados velhos, o que o prof. Ruggiero considera “um absurdo”. E menciona um exemplo: “Um pesquisador inicia um trabalho com o abacaxizeiro em agosto de 2017; terminaria a coleta dados de campo em novembro-dezembro de 2018; e o trabalho seria publicado em 2019”. E complementa: “Portanto, os trabalhos úteis para fator de impacto seriam os dos anos 2015, 2016 e 2017 (até agosto)”. Qual é sua opinião a respeito?
OSP – É tão absurdo que não cabe comentário. O trabalho “The Citrus Industry”, editado pela Universidade da Califórnia em 1967, continua sendo consultado. Passado mais de meio século, esse que pode ser considerado a “bíblia da citricultura”, continua atualizado. Nossos estagiários de agronomia preferem as bibliografias mais recentes do que aquelas que servem de orientação ao seu próprio estágio.
TodaFruta – Precisamos formar uma comissão para ser enviada ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), composta por membros dos Conselhos de Pós-Graduação, revistas relacionadas no Sciello em Ciências Agrárias (como a Revista Brasileira de Fruticultura), diretores de faculdades de agronomia com cursos de pós-graduação e diretores das Embrapas e de institutos de pesquisa. Os nomes sugeridos são os seguintes: Orlando Sampaio Passos, Claudio Bruckner, Celso Monerat Araújo, Abel Rebouças São José, Almy Cordeiro de Farias, Luiz Carlos Donadio, Carlos Ruggiero, William Natale, José Fernando Durigan e Fernando Mendes Pereira. Essa comissão seria formada pelo Presidente da Sociedade Brasileira de Fruticultura, Ricardo Elesbão. O senhor concorda em participar?
OSP – De acordo.
Orlando Sampaio Passos nasceu em Cruz das Almas, BA, em 27 de janeiro de 1936. É engenheiro agrônomo, diplomado pela Escola de Agronomia da Universidade Federal da Bahia, com cursos de pós-graduação na ESALQ/USP, em Piracicaba, SP; na Universidade Federal de Viçosa, MG; e nos EUA, na Universidade da Flórida, Gainesville, e na Universidade da Califórnia, Riverside; e especialização em citricultura no Instituto Agronômico de Campinas (IAC), em 1961, e na Universidade da Califórnia, em 1978/1979. É pesquisador B da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, lotado na Embrapa Mandioca e Fruticultura Tropical, em Cruz das Almas, BA. Entre os cargos e funções já exercidos, destacam-se os seguintes: Chefe Geral do Centro Nacional de Pesquisa de Mandioca e Fruticultura Tropical/EMBRAPA, de 1990 a 1995; presidente da SBF, de 1977 a 1978 e de 1991 a 1992; representante do Brasil na International Society of Citriculture, de 1978 a 1981 e de 1992 a 2000; representante da Embrapa na Câmara Setorial da Cadeia Produtiva da Citricultura, no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), a partir de 2002; e coordenador nacional da Rede Interamericana de Citros (RIAC), na FAO. É autor e coautor de mais de 300 trabalhos técnico-científicos no Brasil e no exterior (26 países).