(Autora: Maria Fernanda Ziegler – Agência FAPESP – 28/6/2018)
Os efeitos anti-inflamatórios da bromelina, proteína encontrada no abacaxi, foram somados à nanocelulose bacteriana, resultando na criação de um curativo – na forma de emplastro ou gel – que pode ser usado para a cicatrização de ferimentos, queimaduras e até de feridas ulcerativas. A novidade foi desenvolvida por pesquisadores da Universidade de Sorocaba (Uniso) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O trabalho, apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), teve seus resultados publicados pela Scientific Reports, do grupo Nature.
Em testes de laboratório, membranas de nanocelulose bacteriana foram submersas por 24 horas em solução de bromelina. O resultado foi um aumento de nove vezes na atividade antimicrobiana da nanocelulose bacteriana.
“Quem tem ferimentos graves sabe muito bem a diferença que faz um bom curativo. Ele precisa criar uma barreira contra microrganismos, evitando contaminações, e também ser capaz de propiciar atividade antioxidante para diminuir o processo inflamatório de células mortas e a formação de pus”, explica Angela Faustino Jozala, coordenadora do Laboratório de Microbiologia Industrial e Processos Fermentativos (LaMInFe) da Uniso e uma das autoras do artigo.
Com a bromelina, os pesquisadores perceberam que, além de aumentar a propriedade antimicrobiana da nanocelulose bacteriana, também foi criada uma barreira seletiva que potencializou a atividade proteica e outras atividades importantes para a cicatrização, como o aumento de antioxidantes e da vascularização.
“Uma pele não íntegra tem como maior problema a contaminação. O paciente fica suscetível a ter uma infecção seja em casos de queimaduras, ferimentos ou feridas ulcerativas. A bromelina cria essa barreira tão importante”, disse Jozala.
Tanto a nanocelulose bacteriana como a bromelina são velhas conhecidas da ciência e das indústrias farmacêutica e alimentícia. A proteína do abacaxi é usada como amaciante de carne e sua propriedade de quebra de proteínas, conhecida como “debridamento celular”, é objeto de interesse da indústria farmacêutica.
Explicando de forma simplificada, a bromelina tem a capacidade de limpar o tecido necrosado do ferimento e ainda formar uma barreira protetora contra os microrganismos. No entanto, tem limitações de uso na indústria, uma vez que é facilmente desnaturada e degradada, além de ser instável em algumas formulações.
Já a nanocelulose bacteriana pode ser aplicada como substituição temporária sobre a pele ou como curativo no tratamento de lesões ulcerativas, pois alivia a dor, protege contra infecções bacterianas e contribui para o processo de regeneração do tecido.
Assim como a celulose vegetal, a nanocelulose bacteriana é produzida na forma pura sem outros polímeros. Isso confere a ela a capacidade de ser moldada em estruturas tridimensionais, capazes de reter grande quantidade de água sem impedir a troca gasosa.
“É uma biofábrica. A bactéria Gluconacetobacter xylinus, por exemplo, produz a celulose como se tricotasse polímeros de glicose. O que fizemos em nosso estudo foi potencializar, com a bromelina, a ação cicatrizante dessa nanocelulose que já estávamos produzindo na nossa plataforma de bioprodutos”, disse Jozala.
Casamento perfeito
De acordo com o estudo, 30 minutos após ser incorporada a membranas de nanocelulose bacteriana, a bromelina registrou maior liberação maior e maior capacidade de ação antimicrobiana. As membranas de nanocelulose bacteriana atuaram na seleção da absorção ou liberação de bromelina.
Além da associação entre a bromelina e a nanocelulose bacteriana, o trabalho contou com outra parceria importante. A equipe de pesquisadores da Uniso criou, com o auxílio da FAPESP, uma plataforma para a produção e purificação de bioprodutos. Nesse novo laboratório, a nanocelulose bacteriana está sendo produzida.
Outro projeto, também apoiado pela FAPESP, e realizado na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unicamp, passou a estudar a extração da bromelina presente no talo e no fruto do abacaxi.
“Estávamos produzindo nanocelulose bacteriana, no entanto queríamos ampliar os poderes curativos do produto. A partir de uma reunião com o grupo da Unicamp, que já extraía a bromelina usando cascas da sobra da indústria de polpa, vimos que a junção tinha futuro”, disse Jozala.
Tanto a produção de bromelina quanto a de nanocelulose bacteriana – e a parte de purificação das substâncias – tiveram o custo barateado pelo fato de utilizarem resíduos e sobras da indústria alimentícia, como cascas de abacaxi de empresas que produzem polpa de fruta. Agora os pesquisadores buscam estabelecer novas parcerias e despertar o interesse de empresas para a produção em larga escala do novo curativo.
O artigo Bacterial Nanocellulose Loaded with Bromelain: Assessment of Antimicrobial, Antioxidant and Physical-Chemical Properties (doi: 10.1038/s41598-01718271-4), de Janaína Artem Ataide, Nathália Mendes de Carvalho, Márcia de Araújo Rebelo, Marco Vinícius Chaud, Denise Grotto, Marli Gerenutti, Mahendra Rai, Priscila Gava Mazzola & Angela Faustino Jozala, pode ser lido na Scientific Reports em www.nature.com/articles/s41598-017-18271-4#Sec9.