Fonte: EMBRAPA – Gabriel Faria e Diva Gonçalves|05/08/2016.
O uso de técnicas de mapeamento, o conhecimento da biodiversidade e a adoção de boas práticas de manejo são estratégias usadas pela pesquisa a fim de preservar a castanheira-do-brasil (Bertholletia excelsa). Os trabalhos buscam ainda encontrar alternativas mais eficientes e sustentáveis de extração e produção, gerando maior renda para os coletores e garantindo a disponibilidade de castanha no futuro.
A castanheira é uma espécie nativa da Amazônia e, devido ao desmatamento, é classificada como vulnerável na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (UICN¹), que reúne e classifica espécies com risco de extinção.
O projeto Kamukaia permitiu aos cientistas conhecer melhor a ecologia dessa árvore, que chega a viver até mil anos e atinge cerca de 50 metros de altura, e pautou a definição de estratégias para conservação da espécie.
As pesquisas desenvolvidas também contribuíram para determinar diretrizes técnicas de manejo dos frutos da castanheira na floresta, aspecto que garantiu mais qualidade à castanha e ajudou a promover essa cadeia produtiva. Em 2010, o projeto se transformou na Rede Kamukaia, ambiente que reúne uma gama de conhecimentos sobre produtos florestais não madeireiros abundantes na região amazônica e que integra diversas ações de pesquisa executadas pela Embrapa e parceiros.
“O manejo desses recursos é uma estratégia eficiente para o desenvolvimento sustentável das comunidades, baseado no uso e conservação dos recursos naturais, na valorização da floresta e geração de renda para as populações tradicionais”, destaca a pesquisadora Lúcia Wadt, da Embrapa Rondônia, uma das integrantes da Rede Kamukaia.
Mapeamento dos castanhais
As informações sobre ocorrência e distribuição espacial da castanheira na Amazônia brasileira ainda são escassas e os estudos destinados a identificar essas áreas podem ser cruciais para o desenvolvimento de práticas de manejo adequadas às distintas realidades amazônicas e de alternativas tecnológicas que ajudem a garantir a conservação da espécie.
Recentemente as pesquisas com castanheira contemplam o mapeamento e modelagem de castanhais por meio de um projeto em rede. A iniciativa tem ações no Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Roraima, Rondônia e Mato Grosso.
As estratégias de mapeamento em fase de teste envolvem o uso de tecnologias digitais e ferramentas de sensoriamento remoto. A meta é chegar a um padrão que permita identificar as castanheiras por meio de imagens de satélites, mensurar o tamanho e a densidade da copa e, utilizando funções predeterminadas, calcular a produção estimada do castanhal. Hoje isso só é possível pelo solo e, como o acesso nem sempre é fácil, as informações são restritas.
Essas ferramentas também vão permitir que sejam criados modelos que possibilitarão projetar o comportamento do castanhal ao longo dos anos, sabendo a projeção de produção e prevendo o que fazer para mantê-lo sempre produtivo.
Diversidade genética
Outra linha de pesquisa tem feito prospecção da diversidade genética e morfológica dos castanhais. Os materiais coletados e analisados permitem a elaboração de um banco de germoplasma de castanha-do-brasil com informações sobre tamanho e peso das sementes, teor de óleo, tamanho das árvores e produtividade, dentre outras. Esses trabalhos são os primeiros passos num futuro projeto de melhoramento genético de castanheira.
“Estudamos a diversidade genética por meio de marcadores moleculares microssatélites. Esses resultados são importantes para a seleção de matrizes para ajudar a compor jardins clonais, como o que estamos implantando na Embrapa Agrossilvipastoril. Num futuro programa de melhoramento genético, saberemos onde obter genótipos divergentes, onde encontrar plantas contrastantes”, explica a pesquisadora Aisy Baldoni Tardin, daquele centro de pesquisa.
Em Mato Grosso foram mapeadas e coletadas informações sobre árvores em quatro municípios. Nesta atividade foi possível ver, por exemplo, que as castanhas do Município de Juína possuem 12 mg de selênio por quilo do produto. O número é quase cinco vezes maior do que os teores encontrados nos demais municípios. O elevado teor de selênio é um dos atributos da castanha-do-brasil, uma vez que a substância combate os radicais livres e proporciona outros benefícios à saúde humana, entre eles a prevenção do câncer.
Apesar das diferenças morfológicas, a análise das características genéticas das castanheiras de Itaúba, Juína, Cotriguaçu e Alta Floresta (municípios do Estado de Mato Grosso situados em um raio de mais de 300 km) mostrou que há pouca diversidade entre elas. Isso ajuda a comprovar a hipótese de que esses castanhais foram plantados por comunidades indígenas que viveram na região norte de Mato Grosso antes da chegada dos europeus.
Frutos em menos tempo
A preocupação da pesquisa contempla também a melhoria do sistema de produção extrativista. Um trabalho conduzido em Mato Grosso avalia, por exemplo, se o manejo de castanheiras regenerantes com a retirada de cipós e plantas competidoras de seu entorno pode contribuir para o crescimento e encurtar o tempo necessário para que uma árvore jovem comece a produzir frutos. Em condições de mata, uma árvore demora cerca de cem anos para começar a produzir. Encurtando esse período, seria possível aumentar o número de indivíduos produtivos e prolongar o período de produção.
Futuramente, pesquisadores ainda avaliarão a eficiência da supressão de indivíduos maiores, já improdutivos, como forma de abertura de clareira favorecendo o crescimento das árvores regenerantes.
A geração de índices técnicos e econômicos da atividade extrativista é outro desafio para as pesquisas com castanheira, considerando que até o momento esse tipo de informação ainda é escasso. Esses dados, aliados à maior produtividade, podem melhorar o sistema produtivo. O pesquisador Hélio Tonini, da Embrapa Agrossilvipastoril, teme que, futuramente, com a viabilidade de plantios comerciais de castanheira, grandes e médios produtores se interessem pela cultura, deixando à margem milhares de coletores.
“Precisamos saber quanto custa a atividade, quanto o extrativista ganha. A ideia é tentar tornar esse sistema de produção mais competitivo, via produção. Sem reserva de mercado. A castanha valoriza a mata. Tem muito produtor que deixa a mata em pé porque visualiza um ganho na castanha”, afirma Tonini.
Rotas mais acessíveis
Por Diva Gonçalves e Priscila Viudes
Conhecer bem as áreas de produção de castanha é requisito básico para o trabalho de coleta do produto na floresta. No Acre, pesquisas desenvolvidas no âmbito do projeto MapCast ajudam a tornar essa atividade mais eficiente em comunidades da Reserva Extrativista Chico Mendes, Município de Brasileia. Moradores do Seringal Porvir aprenderam com pesquisadores da Embrapa a mapear os castanhais utilizando aparelhos GPS. Os resultados desse trabalho ajudam a otimizar as trilhas de coleta, com melhoria no planejamento e gestão da produção.
Segundo a pesquisadora Lúcia Wadt, a definição das rotas de coleta em comunidades amazônicas ainda é um processo baseado na intuição e quase sempre esses roteiros envolvem longos percursos e áreas íngremes e alagadiças, aspectos que dificultam o acesso às árvores.
“Com base em informações sobre o relevo e hidrografia dessas áreas e localização das castanheiras, desenvolvemos modelos matemáticos algorítmos que permitem elaborar novas composições do sistema produtivo, com rotas mais acessíveis. Além de oferecer trilhas que ajudam a reduzir tempo e esforço físico na coleta da castanha, facilitando a atividade, os mapas da produção proporcionam maior conhecimento sobre o castanhal e melhor aproveitamento das potencialidades dessas áreas “, explica.
O mapeamento das áreas extrativistas também influenciou o desempenho produtivo dos castanhais acrianos. Pesquisas revelaram que o uso de rotas modeladas, aliado a técnicas de manejo do castanhal, como a retirada de cipós das árvores, pode aumentar em até 27% a produção anual de frutos.
Castanha na Roça
Por Dulcivânia Freitas
Agroextrativistas do Amapá são parceiros da Embrapa no desenvolvimento de uma técnica para renovação e expansão de castanhais nativos. O sistema chamado de “Castanha na Roça” é uma iniciativa inédita para manter a produtividade de castanhais em áreas abertas vizinhas à floresta. O pesquisador Marcelino Carneiro Guedes, da Embrapa Amapá, explica que o sistema significa, na prática, uma alternativa viável à dificuldade que a castanheira da Amazônia vem apresentando relacionada à capacidade de regeneração natural.
O sistema é executado por meio do manejo do processo de regeneração natural das castanheiras em áreas da agricultura itinerante. Os cultivos itinerantes são realizados seguindo ciclos, normalmente de dois a três anos consecutivos, com posterior período em pousio, quando acontece a regeneração da capoeira. Ao retornar àquela área, a vegetação é novamente cortada e queimada para novo plantio.
De acordo com o pesquisador, é evidente o maior potencial de recrutamento das castanheiras em áreas abertas circunvizinhas à floresta madura.
Gabriel Faria – Embrapa Agrossilvipastoril
Diva Gonçalves – Embrapa Acre