A citricultura é uma das principais cadeias de valor do agronegócio brasileiro, ocupando atualmente a quinta posição em termos de valor da produção, atrás da soja, cana de açúcar, milho e café (IBGE 2016). Movimenta anualmente US$ 14 bilhões, dos quais aproximadamente US$ 2 bilhões somente em exportação de suco de laranja processado (concentrado e pasteurizado) com arrecadação de US$ 189 milhões em impostos.
Em todo o país, a cultura de citrus ocupa cerca de 800 mil ha, entre laranjas, tangerinas, limas e limões, sendo que o Estado de São Paulo, Triângulo de Minas Gerais e Noroeste do Paraná representam 84% da produção nacional. Bahia, Sergipe, Rio Grande do Sul e Pará são outros Estados com relevante produção, mais direcionada para frutas de mesa (cerca de 13%). Em São Paulo, 87% da produção corresponde a laranjas, sendo 80% da produção destinada ao processamento, dos quais 98% é exportado.
A produção brasileira de laranja é a maior do mundo e responde por mais de 60% do total de suco produzido e 80% do mercado internacional. A cadeia gera mais de 220 mil empregos diretos e, somente em São Paulo, há mais de 7.500 propriedades citrícolas, das quais mais de 5.000 em cultivo familiar. A citricultura empresarial responde pela maior área colhida e é hoje um dos segmentos mais tecnificados do agronegócio mundial.
Atualmente, a doença huanglongbing (HLB ou greening) está presente nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraná, enquanto o inseto vetor, o psilídeo Diaphorina citri, é registrado em todo o país. O HLB foi responsável pela erradicação de aproximadamente 46 milhões de árvores de laranja até dezembro de 2016, sendo sua incidência atual de 18% das plantas do parque citrícola paulista e do Triângulo Mineiro. No Paraná, a incidência de plantas com HLB está próxima de 7%.
O HLB é causado por bactérias de floema (Candidatus Liberibacter spp.). Todas as espécies do gênero Citrus e diversas espécies próximas são suscetíveis ao patógeno. Causa o definhamento da planta e a redução acentuada da produção e da qualidade dos frutos e não há tratamentos curativos viáveis para serem implementados em escala comercial.
O manejo atual consiste no uso de mudas sadias produzidas em ambiente protegido, identificação e erradicação sistemática de plantas sintomáticas e controle intensivo do vetor.
Há 15 anos foi registrado no estado de São Paulo o primeiro caso da doença bacteriana huanglongbing (HLB ou greening), principal ameaça à sustentabilidade da cadeia de citros no Brasil. Mesmo com todos os esforços feitos por diferentes atores da cadeia citrícola nessa década e meia, o HLB se disseminou de forma severa nos Estados de Minas Gerais, São Paulo e Paraná. Como é uma doença de difícil controle e ainda sem uma tecnologia que possa estancar o seu desenvolvimento, a solução necessariamente precisa vir do investimento científico.
Para ajudar a enfrentar esse problema e outras pragas e doenças que podem entrar no território brasileiro, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus) e a Fundação de Pesquisas Agroindustriais de Bebedouro (Fupab) decidiram ampliar seus esforços para criar uma Unidade Mista de Pesquisa e Transferência de Tecnologia (UMIPTT Cinturão Citrícola), que será instalada nas cidades de Araraquara e de Bebedouro, situadas no coração citrícola do Estado de São Paulo e distantes 100 km entre si. As três instituições assinaram acordo de cooperação nesta quarta-feira, em Brasília-DF, na Sede da Embrapa, para selar a parceria.
“É uma localização privilegiada para desenvolvimento das ações de pesquisa e de transferência de conhecimento e tecnologia, cobrindo todo o cinturão citrícola em um raio de 600 km, que representa 84% da produção brasileira de citros”, explicou o presidente da Embrapa Sebastião Barbosa. As duas cidades permitirão acesso rápido também às demais regiões do estado, do Paraná e do Triângulo Mineiro, que são polos citrícolas que abrigam também instituições parceiras que desenvolvem estudos com citros, contribuindo para a consolidação de uma rede integrada de pesquisa.
“O maior enfrentamento que temos hoje pela frente está ligado à sustentabilidade e só por meio da cooperação mútua entre as instituições e a iniciativa privada é que conseguiremos encarar esse desafio e as exigências do mercado. A Embrapa é um parceiro que detém conhecimento, competência e, principalmente, heterogeneidade de ação. Estamos estabelecendo uma parceria que poderá servir de modelo depois para outras culturas”, ressaltou Lourival Carmo Monaco, presidente da Fundecitrus.
Celso Moretti, diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa, frisou que cinco linhas de pesquisa foram priorizadas inicialmente para focar a atuação da UMIPTT Cinturão Citrícola. “Em comum acordo com o Fundecitrus, vamos direcionar nossos esforços em genética e biotecnologia de citros para buscar resistência a doenças e pragas e melhoria da qualidade dos frutos, inclusive para obtenção e desenvolvimento de transgênicos resistentes ou tolerantes ao HLB; citricultura de precisão e colheita mecanizada; sustentabilidade dos sistemas de produção; manejo integrado de pragas; e técnicas que garantam alta produtividade em um cenário de mudanças climáticas. São temas que representarão grandes avanços na fronteira do conhecimento da cadeia de citros”, enfatizou. Dois centros de pesquisa da Embrapa atuarão diretamente com os trabalhos: Embrapa Mandioca e Fruticultura (Cruz das Almas-BA) e Embrapa Instrumentação (São Carlos-SP).
O diretor de Inovação e Tecnologia da Embrapa, Cleber Soares, ressaltou que o Fundecitrus é uma instituição referência no Brasil para a cadeia de citros. “O fortalecimento da parceria possibilitará o desenvolvimento de ativos inovadores e de novos negócios para esse importante segmento do agro nacional. E para a Embrapa, será uma forma importante de conexão com demandas de curto e longo prazo da citricultura brasileira”.
O acordo
O acordo de cooperação assinado terá duração de 10 anos prevê a implantação de um matrizeiro de citros em Araraquara para abrigar plantas básicas e matrizes de variedades de citros com uso comercial e potencial, como medida de redução de risco fitossanitário e fomento à diversificação de uso de variedades. Esse complexo será gerido pelo Fundecitrus, mediante inscrição no Registro Nacional de Sementes e Mudas (Renasem) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e na Coordenadoria de Defesa Agropecuária do Estado São Paulo, para fornecimento de borbulhas ao setor produtivo de citros.
O Fundecitrus e a Estação Experimental de Citricultura de Bebedouro (EECB) da Fupab disponibilizarão estrutura de escritório, telefonia, internet, laboratórios, casas de vegetação, área agrícola e maquinário para recebimento de pesquisadores, analistas e técnicos da Embrapa para o desenvolvimento de trabalhos técnicos científicos. A Embrapa disponibilizará também veículos para uso nas atividades de pesquisa e transferência. Os trabalhos de validação e demonstração de tecnologias serão desenvolvidos em propriedades rurais, que irão compor uma rede de referência, seguindo metodologia específica para esta finalidade.
A parceria com o Fundecitrus
A Embrapa desenvolve pesquisas nessa região citrícola desde a década de 1980, com trabalhos voltados principalmente para a geração de porta-enxertos mais resistentes à seca e com menor porte da planta, visando facilitar a colheita. Com a Fupab, por meio da Estação Experimental de Citricultura de Bebedouro (EECB), mantém um contrato de cooperação técnica desde 1985. Já com o Fundecitrus a parceria foi iniciada há 20 anos – atualmente o Fundo é parceiro de 16 projetos em andamento na programação da Empresa focados em HLB.
“A alocação de recursos financeiros e humanos, reforçada a partir dos anos 2000, por meio também de parceria com a Fundecitrus, deu sustentação para que, em um futuro próximo, as variedades porta-enxerto desenvolvidas pelo programa de melhoramento genético de citros da Embrapa sejam as mais plantadas nesse importante polo agrícola brasileiro”, afirmou Alberto Vilarinhos, pesquisador e chefe-geral da Embrapa Mandioca e Fruticultura.
Lourival Monaco lembra ainda que em Araraquara, e na cidade vizinha de Matão, operam as sedes das três maiores indústrias de processamento de suco de laranja do mundo, todas mantenedoras do Fundo. Além do Fundecitrus, o cinturão Araraquara-Bebedouro-Ribeirão Preto-São Carlos concentra grandes instituições de tecnologia, ensino e extensão que possuem em seu quadro de pesquisadores e nas suas linhas de pesquisa uma forte estrutura de atuação no agronegócio citros, como UNESP, USP, UFSCar, APTA/IAC. Isso permite articulações para colaborações em pesquisas diversas, com possibilidade de inserção futura de outras instituições e Unidades da Embrapa na UMIPTT Cinturão Citrícola.
“A Embrapa se posiciona de forma pioneira no mercado citrícola ao estabelecer essa nova parceria com o Fundecitrus e a Fupab, abrindo possibilidades de expandir seus projetos de desenvolvimento e inovação, garantindo que o futuro da pesquisa para o setor seja tratado com a cadeia produtiva e com muito mais impacto para os produtores”, concluiu Vilarinhos.
O HLB já foi inclusive tema pesquisado pelo Laboratório Virtual da Embrapa (Labex) nos EUA, quando o pesquisador Eduardo Chumbinho, da Embrapa Mandioca e Fruticultura coordenou uma parceria com USDA-ARS, na Flórida. O artigo científico com o primeiro registro mundial do HLB no Brasil foi publicado em 2004, resultado de um trabalho do pesquisador Alexandre Amaral e de cientistas do Instituto Agronômico (IAC). No artigo os autores lembram que a doença demorou quase 100 anos para chegar no país.
Fonte: Embrapa.