25/05/2016 – Grupo Cultivar
A produção de figo no Brasil pode ganhar um novo aliado nos próximos anos, a vespinha Blastophaga psenes, conhecida como vespa-do-figo. O inseto utiliza as flores de figo para se reproduzir e, consequentemente, poliniza as centenas de flores que existem dentro de cada figo. A polinização por meio desse inseto gera sementes no interior da fruta.
Atualmente o figo-roxo é a única variedade cultivada no País que não depende de polinização para se desenvolver. Os frutos produzidos sem polinização não apresentam sementes e, por isso, são altamente perecíveis, dificultando a sua exportação. “Os figos com sementes têm maior vida de prateleira e ainda são mais saborosos”, afirma o produtor Mauricio Brotto, de Valinhos, no interior de São Paulo. Além disso, novas variedades que dependem dessas vespinhas poderiam ser produzidas no Brasil, como é o caso do figo-turco, denominada Smirna, principal variedade produzida internacionalmente e a mais valorizada pelo mercado mundial.
A introdução do agente polinizador Blastophaga psenes possibilitará produzir frutos com sementes, por meio de um processo conhecido por ‘caprificação’, em que as vespas levam pólen de figueiras selvagens (caprifigos) para a cultivar de interesse comercial e mais consumida no mundo do grupo genético Smirna. Essa minúscula vespa utiliza as flores de figo para se reproduzir e consequentemente poliniza centenas de flores que existem dentro de cada figo.
Para discutir a questão, foi realizada uma reunião em abril deste ano em Jaguariúna (SP) entre produtores e especialistas no assunto. Participaram pesquisadores de dois centros de pesquisa da Embrapa: Meio Ambiente (SP) e Amazônia Oriental (PA), acadêmicos da Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Estadual Paulista (Unesp), representantes da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral do Estado de São Paulo (Cati) e dos produtores de figo.
“Caso seja autorizada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a introdução deverá ser feita na Estação Quarentenária “Costa Lima” da Embrapa Meio Ambiente, em Jaguariúna (SP), atualmente a única credenciada no Brasil para tal finalidade”, explica o pesquisador da Embrapa Luiz Alexandre Sá.
“O objetivo desse período no laboratório de quarentena é impedir a introdução de outros organismos não desejáveis que podem estar associados aos organismos benéficos a serem introduzidos no País, e que poderiam entrar como contaminantes”, esclarece.
O planejamento inclui trazer as vespas-do-figo de Portugal em estágio imaturo dentro do próprio figo. Elas serão liberadas em uma estufa completamente protegida, onde haverá mudas de figo com flores. As vespinhas que emergirem do figo original irão utilizar essas flores para se reproduzir. Após o estabelecimento natural dessas vespinhas nas flores dentro desse ambiente protegido, serão liberadas em um plantio experimental em campo aberto. Por se tratar de um organismo vivo com biologia reprodutiva bastante complexa, esse processo de estabelecimento poderá demorar vários meses e possivelmente mais de uma introdução será necessária.
Segundo Nogueira de Sá, o processo de introdução do organismo biológico passará por análise técnica do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que exigirá uma carta de aceite da Estação Quarentenária “Costa Lima”, a qual irá proceder ao processo de quarentena. Após aprovar o material para pesquisa científica, o Mapa emitirá a Permissão de Importação para a entrada oficial no País desse material solicitado.
Instalações de segurança máxima
Componente das instalações da Embrapa Meio Ambiente, a estação “Costa Lima” conta com os mais sofisticados sistemas de segurança biológica do ramo. Toda estrutura interna da quarentena foi desenhada para manter condições de isolamento e de fácil detecção de organismos que por ventura venham a escapar das salas internas de criação de organismos. Esse sistema de segurança é composto por sinais luminosos e sonoros na entrada e no interior da área quarentenada. A sala de recepção do material introduzido (máxima segurança) é o local utilizado para a abertura do pacote contendo os organismos exóticos que chegam ao País.
“Essa sala possui uma estrutura reforçada composta de janela de vidro duplo, sistema de comunicação por interfone, placa de proteção/vedação em todas as tomadas elétricas, portas com revestimento de borracha e de gaiolas de criação à prova de escape utilizadas no manuseio e na abertura do pacote contendo os organismos recém-chegados”, detalha o pesquisador.
Toda a equipe de trabalho é capacitada para cumprir os procedimentos operacionais e de segurança da área quarentenada do Laboratório. Os principais regulamentos exigidos estão fixados na porta dupla de entrada/saída, orientando o usuário durante sua entrada e permanência no local.
O processamento dos organismos em quarentena começa pela separação de contaminantes como microrganismos, hiperparasitos, microácaros alérgicos ao homem, insetos e outros organismos indesejáveis. Depois os organismos são identificados, submetidos a testes, realizados estudos indiretos e posteriormente liberados como pós-quarentenados.
O tempo de permanência do material biológico introduzido em condições de quarentena pode variar de um mês até mais de um ano, dependendo da procedência desse material exótico; se proveniente do campo ou já estabelecido em condições controladas de laboratório no exterior.
É fundamental passar pela estação quarentenária porque os contaminantes podem causar efeitos indesejáveis nos diferentes componentes do ecossistema brasileiro, ou mesmo invalidar todo um programa de importação desses organismos benéficos de interesse. Até 2015, foram introduzidas 773 espécies pelo Quarentenário “Costa Lima”, para o controle biológico de pragas e outros fins em diversas culturas e finalidades, atendendo às solicitações de 14 estados brasileiros. Além das espécies introduzidas, a estação colaborou em programas de outros países por meio da exportação de parasitoides, ácaros predadores e microbianos (fungos). Até 2014, também foram exportadas 31 espécies de organismos úteis ao controle biológico de pragas para os Estados Unidos, Holanda, África, Japão, Sri Lanka e Colômbia.
Vespas e figos
Conforme o pesquisador Cristiano Menezes, da Embrapa Amazônia Oriental (PA), as vespas-do-figo são os únicos organismos capazes de realizar a polinização das figueiras, já que apresentam características adequadas para ultrapassar a pequena abertura de acesso ao interior do figo, onde estão localizadas as flores. “Além disso, as vespas são altamente específicas, e na maioria dos casos uma única espécie polinizadora está associada a uma figueira. Existem cerca de 700 espécies de figueiras no mundo, cada qual com sua respectiva vespa polinizadora. No caso do figo-turco, que não é nativo do Brasil, somente a vespa Blastophaga psenes é capaz de adentrar o figo e realizar a polinização, por isso a necessidade da introdução desse agente específico, garantindo a produção de frutos polinizados aqui”.
Outro ponto positivo da cultivar Smirna é sua resistência à seca da figueira, doença causada pelo fungo Ceratocystis fimbriata, que tem provocado morte de plantas nos pomares comerciais do figo Roxo de Valinhos. O produtor Maurício Brotto tem utilizado atualmente a cv. Smirna como porta-enxerto para ‘Roxo de Valinhos’ visando ao replantio de plantas sintomáticas.
Oportunidade de exportação
Brotto acredita que se o Brasil conseguir produzir o figo-turco, os fruticultores nacionais poderiam aproveitar uma janela em que a produção turca não abastece o mercado europeu. De novembro a junho, somente o Brasil tem atendido o mercado europeu com figos. Brotto acredita que, se a variedade Bursa for produzida por aqui, a exportação aumentaria consideravelmente. “Quando a variedade Bursa entra em produção em meados de agosto na Turquia, domina totalmente o mercado, e os volumes consumidos na Europa são dezenas de vezes maiores que o consumo da fruta do Brasil”, afirma.
Ele ainda aposta que a introdução da vespa poderá alavancar no Brasil o consumo de figos que ainda é pequeno, concentrando-se atualmente na região Sudeste. “Abriria também a possibilidade de se produzir os figos Smirna, que têm um teor maior de brix e podem ser comercializados secos. “Essa variedade necessita de ambiente seco para ser produzida, o que abriria uma boa oportunidade de negócio para a fruticultura do Nordeste brasileiro”, analisa Brotto.
Cristina Tordin