(Autora: Tereza Cristina Giannini, pesquisadora do Instituto Tecnológico Vale Desenvolvimento Sustentável – ITVDS)
A maior importância ecológica das abelhas está relacionada à polinização. A polinização é um processo de transferência de grãos de pólen de uma flor para outra. Estima-se que mais de 90% das plantas com flores dependem de polinizadores animais. Estes, ao visitarem as flores para se alimentar de pólen ou néctar, acabam ficando com os grãos de pólen aderidos em seus corpos. Ao se deslocarem entre as flores, levam os grãos de uma flor para a outra. O grão de pólen, ao ser depositado na flor, se funde ao óvulo, o que dará origem às sementes e aos frutos. Assim, muitas plantas dependem de animais para a produção de frutos e sementes, o que tem relação direta com a viabilidade da agricultura.
Recentemente foi publicado um artigo na revista internacional Apidologie, onde foi feita uma revisão de 249 publicações científicas sobre os polinizadores de culturas com interesse econômico. É importante enfatizar que nessa revisão foram diferenciados os insetos que apenas visitam as flores, dos que realmente as polinizam. Isso foi feito porque nem todos os visitantes florais tocam os órgãos reprodutivos das flores e, por isso, nem todos são capazes de transferir o grão de pólen em direção ao óvulo. Assim, nesse trabalho, polinizadores e visitantes foram analisados separadamente, e a ênfase foi dada para as espécies que realmente atuam como polinizadores.
Foram identificados os polinizadores de 75 culturas agrícolas brasileiras. Esses polinizadores estão distribuídos em 250 espécies de animais, sendo que 87% são abelhas. Os gêneros de abelhas citadas como polinizadores efetivos e que merecem destaque são:
Destaques
Duas espécies de abelhas merecem destaque: a Apis mellifera, chamada de abelha do mel ou africanizada, citada como polinizadora de 28 culturas e a Trigona spinipes (irapuá), citada para 10 culturas. Essas duas espécies são particulamente interessantes por apresentarem ampla distribuição geográfica, permitindo que executem os serviços de polinização nas diferentes regiões brasileiras, incluindo áreas degradadas com baixa diversidade. Além dessas, destaca-se também a Xylocopa frontalis (uma espécie de abelha carpinteira) e a Melipona fasciculata (uruçu cinzenta).
Outro grupo de espécies que deve ser enfatizado é o pertencente à família Halictidae, que apresenta muitas espécies de abelhas, algumas das quais muito chamativas, com cores metálicas que variam entre o verde e o azul. Essa família, no entanto, é ainda pouco estudada e, por isso, a identificação das espécies é muito difícil. Mais da metade das vezes em que essa família apareceu citada nos trabalhos consultados, sua identificação não estava completa, dificultando muito a análise. As culturas que foram citadas como sendo polinizadas por abelhas pertencentes a essa família são pimentão, tomate, algodão, jurubeba, berinjela, morango, camu-camu e acapu.
Os dados obtidos também foram analisados considerando-se as diferentes regiões do Brasil. Poucos dados foram obtidos nas regiões norte e centro-oeste, demonstrando o desconhecimento que ainda existe sobre os polinizadores de culturas agrícolas nessas duas regiões. Muitas plantas de interesse regional, principalmente no norte do país, também foram pouco citadas. Falta conhecimento básico sobre sua biologia floral e seus polinizadores, temas que ainda precisam ser mais bem estudados.
Polinização animal
Em uma segunda revisão, publicada pelo Journal of Economic Entomology, foi analisada a dependência das culturas agrícolas por polinização animal. Já é bem conhecido que algumas culturas com alta produção mundial (como trigo, milho e arroz, por exemplo) são polinizadas pelo vento, ou seja, não dependem de polinizadores animais. Por outro lado, culturas com alto valor nutricional (como frutas e legumes), e que muitas vezes estão na base da agricultura familiar e representam importante fonte de renda na economia regional, são mais dependentes de polinizadores. Então, uma avaliação desse tipo é importante, especialmente diante dos cenários de desaparecimento de abelhas e déficits de polinizadores no hemisfério norte que vêm sendo reportados.
Medidas de dependência de culturas agrícolas por polinização já vêm sendo feitas globalmente desde a década de 1990, e foram sugeridas quatro classes de dependência: essencial, grande, modesta ou pequena. Essa atribuição foi baseada em estudos que revelaram que algumas culturas quando não polinizadas apresentavam uma redução entre 90% e 100% na produção (dependência considerada essencial); outras, entre 40-90% (dependência considerada grande); entre 10-40% (modesta); e entre 1-10% (pequena).
Assim, para que se pudesse ter uma dimensão da dependência por polinizadores, foi feita uma revisão baseada em 57 trabalhos publicados na literatura científica sobre o tema. Estes trabalhos citavam 85 culturas apresentando algum grau de dependência de polinização animal, sendo que mais de um terço dessas culturas (30 culturas) foi citado como apresentando dependência essencial ou grande de polinizadores.
As culturas que foram citadas como apresentando dependência essencial são: abóbora, acerola, cajazeira, cambuci, castanha do pará, cupuaçu, fruta do conde, gliricídia, jurubeba, maracujá, maracujá doce, melancia, melão e urucum. As que foram citadas como apresentando grande dependência foram: gabiroba, goiaba, jambo vermelho, murici, pepino, girassol, guaraná, tomate, abacate, pinhão manso, damasco, cereja, pêssego, ameixa, adesmia e araticum.
Valor para a agricultura
Além disso, o mesmo artigo citado também estimou o valor econômico da polinização para a agricultura. O método utilizado para calcular esse valor foi proposto por autores internacionais na década de 1990. Apesar de outros métodos terem sido propostos desde então, esse é particularmente útil por ser de baixa complexidade.
O valor econômico da polinização é calculado como uma função de dois fatores: a dependência de cada cultura por polinização e o valor de produção anual de cada cultura. Como dito acima, a dependência por polinização é estimada a partir das quatro classes já citadas (essencial, grande, modesta ou pequena) e a cada uma dessas classes é atribuída uma taxa de dependência (respectivamente: 0,95; 0,65; 0,25 e 0,05). Essa taxa é então, multiplicada pelo valor da produção anual de cada cultura. No caso do Brasil, o valor de produção anual de algumas culturas está disponível no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na internet.
Foi possível estabelecer o valor da polinização para apenas 44 culturas, que possuíam tanto a dependência quanto o valor da produção definidos. A produção total dessas 44 culturas no ano de 2013 (ano para o qual foi feita a avaliação) foi de aproximadamente 45 bilhões de dólares. O valor econômico da polinização obtido para essas culturas no mesmo período foi de aproximadamente 12 bilhões de dólares, o que equivale a quase 30% do valor total.
É importante enfatizar que quase metade do valor da polinização obtido equivale à soja, uma cultura extensamente produzida no Brasil e, portanto, com alto valor total de produção. Essa cultura foi classificada como tendo uma dependência modesta por polinizadores, mas essa dependência ainda precisa ser mais bem avaliada, uma vez que existem muitas variedades diferentes sendo cultivadas no país atualmente. Outras culturas além da soja que se destacam com valores altos de polinização são café, tomate, algodão, cacau e laranja. Destas, apenas o cacau tem uma dependência essencial por polinizadores; as demais têm dependência pequena ou modesta, mas devido aos altos valores de produção no país, os valores de polinização obtidos também são elevados.
Esse tipo de medida é importante para chamar a atenção para o valor da biodiversidade. Muitas vezes, esse reconhecimento é ainda pequeno por parte da população em geral, ou dos agricultores, ou dos tomadores de decisão. Por isso, atualmente, tem sido enfatizado o conceito de serviços ecossistêmicos, que são os benefícios que os ecossistemas trazem para o ser humano devido ao seu funcionamento intrínseco. Assim, o serviço de polinização ocorre naturalmente devido aos processos inerentes das áreas naturais, que servem de habitat para os animais que atuam nas áreas agrícolas polinizando as culturas. Isso deixa claro que a proteção de áreas de habitats nativos entremeados nas culturas são importantes por garantir os polinizadores e estes, a produção agrícola, sendo de interesse não apenas para aqueles que apreciam a beleza cênica das áreas naturais, mas também para a economia local e para a produção de alimentos.
Especialmente o reconhecimento do papel dos insetos é de suma importância. Esses animais ainda são pouco pesquisados e pouco protegidos. No entanto, muitos deles têm papéis cruciais na natureza e sua importância precisaria ser mais bem conhecida e divulgada. Portanto, os polinizadores são um excelente exemplo de como a natureza atua, de formas por vezes sutis, na manutenção das sociedades humanas, principalmente mediante seu papel na polinização e na produção de alimentos. Estudá-los e protegê-los equivale, no fim, a contribuir para a própria manutenção do bem-estar humano.
Referência completa dos artigos citados: Giannini T.C., Boff S., Cordeiro G.D., Cartolano Jr. E.A., Veiga A.K., Imperatriz-Fonseca V.L., Saraiva A.M. 2015. Crop pollinators in Brazil: a review of reported interactions. Apidologie 46: 209-223. URL: http://link.springer.com/article/10.1007%2Fs13592-014-0316-z
Giannini T.C., Cordeiro G.D., Freitas B.M., Saraiva A.M., Imperatriz-Fonseca V.L. 2015. The dependence of crops for pollinators and the economic value of pollination in Brazil. Journal of Economic Entomology 108: 849-857. URL: http://jee.oxfordjournals.org/content/early/2015/05/03/jee.tov093
Quadros sintéticos dos resultados obtidos
Quadro 1. Espécies de abelhas que foram citadas como polinizadores efetivos do maior número de culturas agrícolas, bem como suas distribuições geográficas e o grau de dependência de cada cultura por polinizador animal. As espécies em negrito destacam-se por serem citadas como polinizadores de muitas culturas que apresentam dependência essencial ou grande por polinização animal (ver também Quadro 2).
Quadro 2. Espécies de abelhas que foram citadas como polinizadores efetivos do maior número de culturas agrícolas que apresentam dependência essencial ou grande por polinização animal. As espécies em negrito também foram citadas no Quadro 1.
Quadro 3. Espécies de abelhas que foram citadas como polinizadores efetivos ou potenciais de culturas com alto valor econômico de produção. As espécies em negrito também foram citadas nos Quadros 1 e 2.
Quadro 4. Espécies de abelhas que merecem destaque devido à sua múltipla importância na polinização agrícola e ampla distribuição geográfica. Foram citadas em pelo menos um dos 3 quadros acima.
Tereza Giannini é pesquisadora do
Instituto Tecnológico Vale Desenvolvimento Sustentável – ITVDS