Cientistas da Embrapa desenvolveram o primeiro sistema orgânico do País para a produção do maracujazeiro. Experimentos realizados no município de Lençóis, na Chapada Diamantina, Bahia, mostraram níveis de produtividade muito superiores aos registrados no sistema convencional no estado: 28 toneladas por hectare (t/ha) contra 10,5 t/ha, em média. O resultado também supera em mais de duas vezes a produtividade média nacional, de 13,5 t/ha. Por enquanto, o pacote tecnológico está restrito a essa região, mas a ideia é estendê-lo a outros polos produtores no Brasil. A iniciativa é um dos frutos do projeto “Desenvolvimento de sistemas orgânicos de produção para fruteiras de clima tropical”, conduzido em parceria pela Embrapa e a empresa Bioenergia Orgânicos desde 2011.
Vale destacar que o aumento de produtividade foi alcançado mesmo com a exposição da cultura a viroses do maracujazeiro. Para se ter uma ideia do potencial de dano dessas doenças, no primeiro ciclo do sistema orgânico, antes da contaminação da lavoura, a produção chegou a atingir uma média de 37 t/ha. O controle das viroses e o desenvolvimento de variedades de plantas de maracujá resistentes ainda são desafios para a pesquisa agropecuária.
Com mais de 16 mil hectares plantados, a Bahia é o maior produtor de maracujá no País — 170.910 toneladas, o que representa 31% da produção nacional, segundo dados de 2017 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Apesar de não haver informações oficiais disponíveis para o sistema orgânico, acredita-se que 0,5% da área cultivada no estado esteja nesse sistema, e a demanda é crescente. Para ser considerado orgânico, o produtor deve usar técnicas ambientalmente sustentáveis e não pode utilizar agrotóxicos nem adubos químicos solúveis, como pontua a pesquisadora da Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA) Ana Lúcia Borges, que representa a Empresa na Comissão de Produção Orgânica da Bahia, fórum composto por membros de entidades governamentais e não governamentais. Ela é a editora técnica da publicação junto com o pesquisador da Embrapa Agrobiologia (RJ) Raul Castro — mais de 14 autores assinam o documento.
As primeiras recomendações descritas no sistema referem-se ao preparo do solo, pois a melhoria dos seus atributos químicos, físicos e biológicos é a base para o sucesso da produção. “O cultivo do solo sob enfoque conservacionista deve buscar o menor impacto possível. Para isso, é importante evitar a degradação provocada tanto pelo manejo inadequado como pela erosão, o que se consegue adotando a redução da movimentação do solo e a manutenção da sua superfície coberta o maior tempo possível, seja por culturas vivas ou mortas”, explica Borges.
No caso dos experimentos em Lençóis, antes de começar o plantio, houve um trabalho longo de correção do solo, extremamente pobre em nutrientes para o cultivo. Segundo a pesquisadora, o Latossolo Vermelho Amarelo distrófico é o solo predominante na região onde está sendo cultivado o maracujá orgânico. Ele apresenta limitações como acidez (baixo pH e alto teor de alumínio), além de baixos teores de nutrientes, principalmente cálcio, magnésio e potássio.
“Inicialmente foi feita aplicação de calcário e gesso para elevar o pH do solo e os teores de cálcio e magnésio. Após 12 meses, observou-se, por exemplo, aumento de seis vezes no teor de cálcio. E o teor de alumínio reduziu a mais da metade,” relata a cientista.
Outra etapa importante de preparo do solo no sistema orgânico é o pré-cultivo da área utilizando plantas melhoradoras. “Essa prática beneficia as condições físicas, químicas e biológicas do solo por meio do cultivo de leguminosas e não leguminosas [gramíneas e oleaginosas], a exemplo de sorgo forrageiro, milheto e feijão-de-porco. Além disso, possibilita o aumento dos níveis de matéria orgânica. Em Lençóis, a prática foi iniciada 30 dias após a correção da acidez do solo. O aumento do teor de matéria orgânica foi mais evidente após quatro anos, quando quase dobrou, passando de 26,8 para 50,0 g/kg”, acrescenta a pesquisadora.
O principal desafio em qualquer cultivo orgânico é o controle de pragas e doenças. O sistema orgânico do maracujazeiro traz informações sobre as principais espécies de insetos-praga que atacam a cultura e suas formas de controle. Entre elas estão a lagarta-desfolhadora, a broca-do-maracujazeiro, o percevejo, a mosca-das-frutas, o besouro-da-flor-do-maracujazeiro, a formiga-cortadeira e os ácaros. Há também os métodos de manejo integrado das principais doenças. O maracujazeiro pode ser atacado por fungos, bactérias e vírus, com intensidade de danos que depende das condições climáticas e dos aspectos culturais.
“No caso das pesquisas em Lençóis, tivemos problemas com lagarta, besouro, vírus e formigas. Os piores foram os vírus, pois não há controle e nem variedades de plantas resistentes aos seus ataques”, afirma o entomologista Antonio Nascimento, pesquisador da Embrapa. Nos experimentos da empresa Bioenergia, o problema não chegou a ser tão grave porque atingiu somente a planta. Quando chega ao fruto, causa deformação, baixo rendimento do suco e endurecimento da casca, tornando-o inviável para a comercialização.
Um dos sócios da Bioenergia Orgânicos, Osvaldo Araújo reforça a dificuldade em controlar pragas e doenças nesse tipo de cultivo. “Agora, cada situação foi superada com o apoio técnico-científico da Embrapa, com quem mantemos uma cooperação técnica há mais de sete anos. Hoje nós temos domínio dos processos de produção, com prática de manejo adequada e técnicas de formulação das biocaldas específicas para cada ataque”, conta. O controle de formigas cortadeiras, por exemplo, um dos principais problemas na região, foi equacionado com o uso de uma isca orgânica, à base se Tephosia cândida, com registro no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para agricultura orgânica.
Foto: pesquisador Raul Castro
De acordo com a Instrução Normativa 17 do Mapa, nos sistemas orgânicos deve-se priorizar a utilização de material adaptado às condições locais e tolerantes a pragas e doenças, como acontece, por exemplo, com a cultura da banana. Mas, no caso do maracujá, ainda não foram encontradas variedades resistentes a viroses, tornando ainda mais desafiador o cultivo orgânico dessa cultura. Para driblar o problema, os pesquisadores buscaram plantas que entram em produção precocemente, de forma que produzam o máximo possível antes da incidência de vírus.
Foram selecionados e recomendados dois híbridos desenvolvidos pela Embrapa — BRS Sol do Cerrado e BRS Gigante Amarelo —, plantados em dez hectares na fazenda da Bioenergia. Esse foi o resultado da avaliação dos melhores materiais genéticos para o sistema orgânico, considerando a produtividade e precocidade. Analisaram-se 14 híbridos do programa de melhoramento da cultura, que envolve pesquisas da Embrapa Cerrados (DF) e da Embrapa Mandioca e Fruticultura. “Para se ter uma ideia da precocidade de um dos genótipos introduzidos em Lençóis, com quatro meses de plantio já havia plantas com vigor vegetativo e bastante frutos, enquanto no ambiente convencional o maracujá costuma iniciar a produção a partir dos sete meses”, informa o pesquisador Onildo Nunes, líder da equipe técnica de maracujá da Embrapa Mandioca e Fruticultura.
Outra linha de ação que será iniciada é a clonagem de plantas produtivas livres de virose. A técnica consiste em retirar e enraizar as estacas em ambiente protegido — a Bioenergia já conta com telado antiafídico para abrigar esse experimento. “A ideia é tirar várias estacas e fazer uma multiplicação clonal das plantas selecionadas. Como temos uma planta já adulta, a estaca retirada tem toda informação para iniciar a produção de frutos mais precocemente em relação a uma planta derivada de sementes, que precisará passar pela fase juvenil até a reprodutiva. Assim, rapidamente essa muda de estaca entra em processo de florescimento e frutificação. E quanto mais precoce o material, mais produz na ausência de vírus”, explica Nunes.
Modelo para outras regiões
A ideia é que o sistema orgânico desenvolvido especificamente para a Chapada Diamantina sirva de norteador para outras regiões. “Estive recentemente, por exemplo, com técnicos da empresa de extensão do Paraná interessados em implantar o cultivo orgânico naquele estado. Ou seja, o sistema desenvolvido especificamente para a Chapada é o primeiro do Brasil e vem chamando a atenção de outros interessados nessa tecnologia. Com as adaptações, pode ser implementado em todo o País”, ressalta Raul Castro, um dos editores técnicos do documento.
Fonte: Embrapa – Alessandra Vale (MTb 21.215/RJ)
Embrapa Mandioca e Fruticultura