Os galhos carregados de umbu saltam aos olhos. No norte da Bahia, entre os municípios de Curaçá, Uauá e Canudos, centenas de agricultores ligados a Coopercuc, principal cooperativa da região, estão colhendo a maior safra de umbu dos últimos três anos. Até o fim de abril, mais de 80 toneladas vão ser retirados das árvores frondosas que marcam a paisagem da caatinga.
O volume de produção vai ser quase 40% maior do que no ano passado, quando a extrema seca chegou a prejudicar os resistentes umbuzeiros. As fortes chuvas registradas recentemente estão sendo essenciais para prolongar a safra.
“De janeiro para cá a chuva regularizou. Ela chegou na hora em que o umbuzeiro mais precisava, no momento em que estava florescendo, pegando carga. Assim a caatinga está se recuperando aos poucos, o campo está mais verdinho, e produzindo mais frutos. Estamos começando a reverter as perdas dos ultimos anos”, afirma Denise Cardoso, presidente da Coopercuc, cooperativa que reúne agricultores dos três municípios.
A safra abundante vem em boa hora. Os agricultores tem o registro do Ministério da Agricultura para operar uma agroindústria e se preparam para produzir as primeiras polpas certificadas.
“Precisamos nos reinventar. Com esta nova etapa nós vamos poder acessar novos mercados, aumentar o faturamento, e beneficiar um número maior de agricultores familiares”, acrescenta Denise.
A produção orgânica é extraída de umbuzeiros antigos, alguns com mais de 100 anos. De olho no futuro e na manutenção da produção, os agricultores já estão promovendo o replantio de mudas e a renovação dos pomares.
Mas, por enquanto, não há pressa. Um levantamento mostrou que a região possui uma das maiores concentrações de umbuzeiros do Nordeste, com uma média de sete pés por hectare.
A Coopercuc é mantida por 271 produtores rurais, que também fabricam doces, geleias e cerveja de umbu com a marca Gravetero. A produção da cerveja já ultrapassa as 20 mil garrafas por ano.
O faturamento total da cooperativa ultrapassou R$ 1,4 milhão no ano passado. O umbu é o carro chefe da produção, mas também são produzidos derivados de maracujá do mato, acerola, manga e goiaba. Na região, a saca de 50 quilos da fruta in natura está custando, em média, R$ 50.
Segundo o IBGE, a Bahia é responsável por cerca de 80% da produção nacional de umbu. De acordo com o último levantamento, o estado produziu 5.808 toneladas da fruta em 2017.
Vinagre de umbu –As mulheres são maioria na cooperativa, cerca de 70% dos cooperados. Uma tradição que começou a partir da atitude de produtoras rurais como dona Perpétua Barbosa, de 60 anos, uma das fundadoras. Pioneira na produção de doces e geleias de umbu, desde criança ela sonha em ver os frutos do umbuzeiro valorizados no mundo.
“Pra mim o umbuzeiro tem o valor de uma vida, igual a minha ou a de qualquer pessoa. Tenho amor pela árvore. Ela sempre nos dá alguma coisa, até em tempos de seca. Quando não é o fruto, é a folha para os animais, ou a água que guarda nas raízes”, diz a agricultora, mãe de sete filhos, que trabalha no pomar junto com o marido. Pelo menos outras vinte pessoas da família seguem a mesma trilha.
Aproveitando este variado potencial, a agricultora passou a produzir também o vinagre de umbu. A iguaria vem de uma receita antiga e frequente na mesa das famílias da região. Percebendo o interesse crescente do mercado externo,ela passou a produzir também para venda.
O vinagre é artesanal, feito a partir do cozimento e fermentação da fruta, em um processo lento e que exige paciência. O líquido é uma espécie de conserva ácida, de cor escura, textura densa, sabor adocicado e perfume marcante.
O litro do vinagre, também chamado de vinho de umbu, custa, em média, R$ 40. Mas as preferidas são as garrafinhas de 250 ml, vendidas por R$ 10.
“O umbu dá para usar em tudo. Nos sorvetes, doces, sucos, compotas ou em conserva. Eu criei meus filhos tomando umbuzada com leite de licuri, que aqui a gente chama de mendengue, e é muito nutritivo”, acrescenta a produtora rural. De acordo com os nutricionistas, a fruta é rica em Vitaminas C e vitaminas do complexo B, além de ferro e cálcio.
Gigante –Existem dezenas de variedades nativas de umbu, como o umbu-cajá e o umbu-cajazeira, comuns no semiárido, frutos de árvores que crescem naturalmente no Nordeste. Mas nas últimas décadas, a Embrapa Semiárido, com sede em Petrolina (PE), vem desenvolvendo novas variedades a partir de cruzamentos. Cinco novas cultivares já foram registradas no ano passado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
As novas variedades ainda não têm nome comercial, mas duas delas, as BR48 e BR68, já estão sendo cultivadas em pomares da Bahia e podem ser encontradas nas feiras. São umbus de grande porte, chamados popularmente de “umbus gigantes”.
As variedades pesam de 4 a 5 vezes mais do que os frutos convencionais. Enquanto um umbu comum pesa em média 18 gramas, os “gigantes” chegam a pesar mais de 96 gramas. Eles são tão resistentes À seca quanto os outros, mas possuem polpa mais densa, por isso são considerados mais produtivos e rentáveis do que o fruto tradicional. Na Bahia, as maiores plantações se concentram nas regiões Norte e Sudoeste.
“O registro das cultivares permite a produção de mudas em larga escala e torna consistente o uso da fruta, como alternativa na complementação da renda de muitos agricultores da região”, afirma Viseldo Ribeiro, pesquisador da Embrapa Semiárido.
Nas últimas duas décadas, as equipes da Embrapa também distribuíram mudas de umbuzeiros em vários estados, e mantêm acervos de conservação. São os chamados bancos de germoplasma, que guardam o material genético das plantas para futura propagação.
“Hoje há plantas muito velhas no semiárido que estão morrendo. Além disso, existem os produtores que derrubam a vegetação, destruindo as plantas do umbuzeiro para a formação de pastos, a ocorrência de incêndios no período seco que matam a vegetação e as pequenas plantas que nascem das sementes que são comidas pelos próprios animais que vivem no semiárido. Tudo isso impede que os umbuzeiros se renovem”, explica Nelson Fonseca, pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura.
Umbuzinha e outros produtos –Barras de cereal, doces de corte, fermentados de umbu, conservas. Estes são apenas alguns dos produtos desenvolvidos nos últimos anos pelas equipes da unidade de Processamento de Alimentos da Embrapa Semiárido, em Petrolina (PE). Elas acreditam que o umbu tem potencial para ser uma das maiores fontes de renda do semiárido nordestino.
“A diversificação permite que o agricultor consiga ampliar a vida útil do produto, evitar alteração de textura, facilita a estocagem, aumentar o tempo de comercialização e ampliar o mercado. É uma forma também de tornar frutas, como umbu, conhecidas não apenas aqui na região”, explica a pesquisadora Clívia Castro.
Um dos produtos mais saborosos é a umbuzinha, um biscoito de fécula de mandioca com recheio de umbu, desenvolvido em parceria com a Embrapa Agroindustria de Alimentos do Rio de Janeiro.
“Este é um recheio que pode ser utilizado também em outros produtos da linha de panificação, como bolos e tortas”, completa a pesquisadora.
Da umbuzada aos Risotos Especiais –O umbu vem conquistando espaço também na alta gastronomia. Chefs de cozinha de várias partes do Brasil estão incluindo o fruto, símbolo do sertão, nos cardápios mais sofisticados. Especialistas em harmonizar o paladar, eles garantem que o frutinho também pode acompanhar carnes e outros pratos quentes.
Foi inspirada neste sabor peculiar do Nordeste que a Chef Maria Anjos desenvolveu uma receita para o Correio*, o Risoto de Umbu com Camarão.
“O risoto é um clássico mundial, e muitas vezes usamos o limão siciliano. E por que não usar também o umbu brasileiro, que tem uma polpa encorpada? Ele pode combinar com proteína animal, com frutos do mar que pedem aquele azedinho para equilibrar, e também com pratos vegetarianos. Sem contar que é um ingrediente que traz uma série de memórias. Das umbuzadas no café da manhã, ou do umbu compondo pratos no almoço, por exemplo”, explica a especialista em cozinha internacional, que nasceu no povoado Lagoa seca, zona rural de Paripiranga, interior da Bahia.
“Cozinhas só são reconhecidas se tiverem identidade. Usar o umbu, ou outra fruta regional, nos permite fomentar a cadeia produtiva local e valorizar a nossa vocação alimentar. Quando utilizamos um ingrediente nosso, criamos um caminho para inserir na cozinha mundial a gastronomia brasileira”, completa Maria Anjos.