A bananicultura paulista tem, no Vale do Ribeira, SP, um importante aliado e incentivador: o pesquisador científico Dr. Raul Soares Moreira, um incansável batalhador pela evolução dessa cultura, não só nessa região, mas em todo o País. A entrevista a seguir nos permitirá conhecer melhor a rica história desse técnico, bem como a evolução da bananicultura no estado de São Paulo.
Toda Fruta – Relate como foi sua formação acadêmica e como ingressou na bananicultura.
Raul Moreira – Nasci em 1° de novembro de 1932, na Estação Experimental de Cordeirópolis, do Instituto Agronômico de Campinas, atual Centro de Citricultura “Sylvio Moreira” (1). Fiz meus estudos básicos em Campinas e obtive o grau de engenheiro agrônomo e o título de Doutor em Agronomia na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, da USP, em Piracicaba, SP, respectivamente em 1958 e 1974. Meu primeiro trabalho foi como primeiro extensionista na Casa da Lavoura (hoje Agricultura) de Eldorado Paulista, no Vale do Ribeira, de 1958 até 1964, onde o cultivo da banana era a principal atividade e onde também havia a maior plantação de mexerica que o Brasil teve. Nessa ocasião, o Eng. Agr. João Ferreira da Cunha, que realizou no IAC as primeiras investigações com bananas no Brasil, já estava aposentado e, portanto, não havia ninguém trabalhando com essa fruteira. Por isso, resolvi me transferir para lá, onde iniciei meu programa de pesquisas bananícolas. É importante salientar que fui incentivado por conselho de um amigo, o Eng. Agro. João Jacob Hoelz, com quem eu tinha trabalhado na implantação do programa de plantio de seringueiras no Vale do Ribeira. Ele me falou: ”Vá para o IAC, que não tem ninguém trabalhando com bananas, que você já conhece e poderá tornar-se um grande especialista no assunto”. E assim foi.
(1) Essa unidade de pesquisa do IAC foi assim denominada segundo a Lei Estadual nº 8.574, de 18.03.1994, de autoria do deputado Mattos Silveira.
Toda Fruta – Para aqueles que não conhecem bem o estado de São Paulo, especifique onde se localiza geograficamente o Vale do Ribeira.
Raul Moreira – O Vale do Ribeira está localizado no Sul do estado de São Paulo, na encosta Sul da Serra do Mar, e foi durante muitos anos a região mais pobre do estado. Tinha como meio de acesso o ramal ferroviário da Sorocabana que ligava as cidades de Santos a Juquiá, seguindo pela praia e depois pelo Vale do Rio São Lourencinho. Tinha também uma ligação rodoviária com o Planalto Paulista, partindo de Piedade, que está a 780 m de altitude e que descia a serra do Mar até Juquiá, por meio de uma estrada estreita e muito acidentada nos seus 98 km, com quase 300 curvas, até o nível de 20 metros. Dessa localidade, depois de atravessar os rios Juquiá e Ribeira, usando duas balsas, chegava-se a Registro, a Capital do Vale, na margem direita do rio Ribeira, cuja altitude é de 10 m e que ficava, por essas estradas, distante 300 km de São Paulo. De Registro saíam estradas sem pavimentação para Iguape, Cananeia e Eldorado Paulista, todas com muitas curvas e precárias pontes de madeira sobre vários afluentes do rio Ribeira. Essas vias foram melhoradas no governo de Ademar de Barros, na década de 1940. Atualmente, Registro é ligada a São Paulo pela rodovia São Paulo a Curitiba denominada BR 116 (antiga BR 2), que reduziu essa distância para190 km. Curitiba, por sua vez, com essa estrada, passou a ter uma ligação com a capital do Vale do Ribeira bem mais fácil, pois elas ficaram distantes apenas 221 km. Registro foi assim denominada por ser sede do registro do ouro explorado no Alto Ribeira desde o século XVII, no município de Xiririca, criado em 10 de março de 1842, que em 1948 passou para Eldorado Paulista e em 1 de agosto de 1995 para Estância Turística de Eldorado. Em Registro, instalou-se uma colônia japonesa que produzia arroz irrigado em Iguape, que deu o nome a esse cultivar. Nessa mesma ocasião, os imigrantes japoneses iniciaram o plantio de chá verde e depois de chá preto em Registro, com sementes trazidas do Ceilão (hoje Sri Lanka), as quais são ainda matrizes dos atuais plantios. Em 1931, foram introduzidas mudas de junco para produção de esteiras. Em 1955 foi instalada em Registro a primeira e única fábrica de esteiras de tatame da América Latina, utilizado em artes marciais. Quando o garimpo do ouro se iniciou, ele era trazido pelo rio Ribeira das localidades de Pedro Cubas, Ipiranga, Taquari, Rio Etá, Sete Barras e Quilombo, entre outras, para a cidade de Xiririca, que está a 62 m de altitude e atualmente a 250 km de São Paulo. O ouro negociado na cidade permitiu que ela fosse uma das primeiras do estado a ter energia elétrica, desde 1926 até 1962, quando a hidroelétrica do Ribeirão de Xiririca foi destruída por uma forte tromba d’água.
Toda Fruta – Como era a viagem de Campinas ao Vale do Ribeira, no inicio de suas atividades na região?
Raul Moreira – Quando me instalei em Eldorado Paulista, o meio normal de se fazer essa viagem a partir de Campinas era de ônibus, que saía do Largo General Osório, na cidade de São Paulo, localizado em frente à antiga estação ferroviária da Sorocabana (que hoje abriga a Sala São Paulo, teatro da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo), às 6 horas da manhã. Esse horário determinava que se fosse pousar em São Paulo. Um ônibus marca FNM, com 50 assentos e motor em seu interior, que se incumbia de fazer barulho suficiente para não se conversar, seguia direto até Tapiraí, onde fazia uma parada de 30 minutos para refeição e depois seguia para Juquiá, lá chegando após 4 horas. Depois de atravessar a primeira balsa no rio Juquiá e a segunda no rio Ribeira, chegava-se a Registro. Normalmente esperávamos por uma hora para tomar outro ônibus menor que seguia para Pariquera-Açu, de onde partia outro para Eldorado Paulista, ou então continuávamos no mesmo que viera de São Paulo. Quando tudo corria normalmente, chegávamos por volta das 17 horas, ou seja, 13 horas depois de partirmos da capital paulista. Depois de ter me transferido para o IAC, a viagem passou a ser bem mais fácil, pois se saía de Campinas de caminhonete, passava-se por Sorocaba e Tapiraí, chegando a Juquiá, onde se tomava uma refeição. Posto isto, seguia-se direto para a Estação Experimental de Pariquera-Açu (instalada em agosto de 1955), onde se ficava alojado. Quando a BR-116 (São Paulo a Curitiba) foi liberada ao trânsito, houve uma grande evolução, pois era possível sair de Campinas e almoçar em Pariquera-Açu. Isso aconteceu no início de 1961, quando o presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira a inaugurou, durante uma visita a Registro.
Toda Fruta – A Estação Experimental de Pariquera-Açu tem uma rica coleção de acessos de banana, que, aliás, foi em grande parte formada pelo senhor. Qual a contribuição dessa coleção para o desenvolvimento da bananicultura no Brasil?
Raul Moreira – A história da banana no Brasil registra que foi no estado de São Paulo que as pesquisas brasileiras com essa fruteira tiveram inicio, com a primeira coleção de bananeiras instalada em 1925, pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC) em Campinas. Depois continuou pelo Instituto Biológico de São Paulo (IB) estudando a broca das bananeiras, no Litoral, seguido pelas avaliações econômicas do Instituto de Economia Agrícola (IEA) e dos trabalhos feitos pelo Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL), criado em 1963 como Centro Tropical de Pesquisas e Tecnologia de Alimentos. Os resultados dessas pesquisas propiciaram bases para o começo das investigações feitas depois de 1970 por instituições de outros estados e ainda como normas de instruções práticas para produtores de todo o País.
Coube ao Eng. Agr. João Ferreira da Cunha a primazia de instalar, no Brasil, em 1931, os primeiros experimentos de fertilizantes em bananeiras. Trabalhando em propriedades particulares, como a Fazenda Trindade, em Santos, ou na Estação Experimental de Prainha (hoje Miracatu) ou, posteriormente, nas Estações Experimentais de Ubatuba, da Boraceia (Vale do Rio Quilombo, em Cubatão), de Mococa e de Jaú, foram estudadas as reações das bananeiras às leguminosas e fertilizantes, formulados em N-P-K, fornecendo as primeiras informações de adubação aos produtores. Foi também resultado de suas pesquisas a produção artificial do primeiro híbrido de banana obtido no Brasil, o IAC-1 (‘Maçã’ x Musa balbisiana), em 1948.
É preciso dizer que essa coleção citada da Estação Experimental de Pariquera-Açu foi iniciada pelo Eng. Agr. Felisberto Cardoso de Camargo, primeiro chefe da Seção de Fruticultura Tropical, na Fazenda Santa Eliza, em 1925, que coletou em diversas propriedades dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e outros, cerca de 12 variedades. A coleção foi ampliada pelo Eng. Agr. João Ferreira da Cunha, ficando composta por 23 diferentes cultivares, quando eu assumi os trabalhos de banana em 1964. Durante meus contatos com produtores brasileiros e internacionais, consegui ampliar a coleção para 120 variedades. Foi a partir dela que pude distribuir, para os outros órgãos de pesquisas brasileiros e escolas de agricultura, coleções que estão, hoje, presentes em todo o Brasil. Dessa forma, foi possível identificar os cultivares e uniformizar as denominações que antigamente eram muito confusas.
Em face da existência dessa coleção de bananeiras, foi possível fazer um estudo comparativo nutricional dos macro e micronutrientes de 50 diferentes cultivares, que, por sinal, foi o primeiro feito no mundo.
Infelizmente, com a decadência administrativa e científica do IAC, que está se reduzindo a quase nada, a coleção básica que estava plantada na Estação Experimental de Pariquera-Açu, é hoje composta por menos do que 10% do que tinha. A coleção de cultivares que a Embrapa Mandioca e Fruticultura tem em Cruz das Almas, BA, o CENARGEN, em Brasília, e a EPAGRI, em Siderópolis, SC, foram iniciadas com cultivares da coleção do IAC.
Toda Fruta – Comente a respeito dos materiais lançados pelo IAC.
Raul Moreira – Para a bananeira Branca, que os descobridores do Brasil já encontraram os indígenas comendo frutos dela, eu consegui estabelecer suas diferenças com a Prata, que foi importada. Isso possibilitou que Jean Champion (1969) e Stover & Simmonds (1987) confirmassem serem elas realmente diferentes entre si.
Eu identifiquei um cultivar que sobreviveu no meio de uma plantação de bananas Maçã que morreu com o mal do Panamá, onde havia também algumas bananeiras Nanica. Isso ocorreu em uma fazenda em Macaubal, SP, em 1967, e esse cultivar, por ser medianamente tolerante a essa enfermidade, conseguiu sobreviver. Esse híbrido natural é um tetraploide, e eu o lancei com o nome de Platina, por sugestão do Eng. Agr. Ângelo Paes de Camargo, que a achou de um nobre paladar, muito doce e levemente ácida, lembrando os dois cultivares citados.
Em face aos resultados experimentais comparativos entre o cultivar Nanica, tradicionalmente plantado em toda a região, com o mutante Nanicão, que surgiu no litoral paulista em local não definido, foi feita uma campanha, com o apoio do Dr. João Jacob Hoelz e toda a rede de extensionistas, promovendo a instalação de campos de demonstração em todos os municípios do Vale do Ribeira e do litoral. Atualmente, é bastante raro encontrar-se plantios de Nanica na região.
O cultivar Pisang Awak, que introduzi de Moçambique em 1982, teve seu nome trocado por mim para Prata Zulu, em homenagem ao produtor que a deu a mim de presente e que era dessa raça. Esse cultivar também tem se mostrado muito resistente às sigatokas, porém é bastante exigente em boro. Quando há carência deste elemento, os sintomas se apresentam de forma bastante acentuada, que aos incautos lembram o mal de Panamá. Seu paladar agradável foi muito bem aceito pelos consumidores do norte do Brasil.
Outro cultivar que identifiquei dentro de um lote de mudas de bananeiras Nanicão, que foram multiplicadas na Seção de Genética do IAC e plantadas em Paulínia, SP, na propriedade de Renato Selmi, foi o Nanicão IAC 2001. Ele foi distribuído para vários agricultores, principalmente da Alta Sorocabana, região Centro-Sul de São Paulo.
TodaFruta – O amadurecimento do IAC 2001 é igual ao do Nanicão comum?
Raul Moreira – Esta é uma pergunta muito importante, pois tenho conhecimento de casos em que a comercialização do Nanicão IAC 2001 tem sido comprometida devido ao seu amadurecimento. Ele tem que ser processado como uma banana diferente do Nanicão comum. O melhor manejo após a colheita é despencar o cacho, reduzir as pencas em buquês no galpão de embalagem, acomodá-los nas caixas e somente colocá-las nas câmaras de climatização após 24 horas, mantendo-as em um ambiente fresco e arejado. Os gases para amadurecimento e as renovações de ar serão feitas normalmente como para as outras bananas, porém as caixas com a IAC- 2001 deverão permanecer dentro da câmara, no mínimo por 24 horas a mais do que o Nanicão comum. Posto isto, elas poderão ser remetidas para os pontos de venda.
Esta maior permanência das caixas da banana IAC 2001 na câmara é necessária, pois sua alta tolerância às sigatokas evita que as toxinas dessas doenças acelerem a maturação de sua polpa. Esta maior saúde faz com que as trocas metabólicas da casca com o meio ambiente sejam mais intensas e com isto podem ocasionar o rompimento da sua casca. É importante lembrar que no caso do IAC 2001, a umidade interna da câmara deve ser mantida entre 85 e 90%. Além disso, é preciso lembrar que o maior teor de vitamina C que o IAC 2001 possui faz com que a inversão do amido da sua polpa em açúcares seja mais lenta e, por isso, a casca pode estar colorida de amarelo, mas ainda a polpa não estar madura. É também esse maior teor de vitamina C, que chega a ser três vezes maior que no Nanicão comum, que lhe dá uma vida de prateleira de até cinco dias a mais. Outra característica do IAC 2001 é que sua casca não fica “pintadinha”, que é provocada por uma antracnose e ainda, mesmo quando madura, tem aroma agradável.
TodaFruta – O IAC 2001 tem tido boa aceitação pelos consumidores e pela indústria?
Raul Moreira – A palatibilidade dessa banana é muito boa devido ao baixo teor de ácido málico que possui, o que a torna também muito digestiva. Para a dona de casa, o maior tempo de vida de prateleira é importante, pois não haverá perdas de fruta. Em face de todas essas virtudes, que tornam o Nanicão IAC 2001 uma banana mais nobre pelo seu paladar e qualidades, os produtores devem fazer um selo para sua identificação, principalmente para realçar ao consumidor seu maior tempo para ser consumido, do que o Nanicão comum, em especial no período de verão forte.
Quanto à industrialização, os produtores de banana passa dizem que ela fica com melhor coloração, mais macia e se conserva por mais tempo empacotada e bos para consumo. Quando preparada como banana “chips” ou mesmo como bananada, também teve boa aceitação.
Toda Fruta – Com base em sua grande experiência na bananicultura, o que o senhor recomendaria a um novo produtor quanto aos cuidados a serem tomados com relação à adubação?
Raul Moreira – A primeira providencia que um bananicultor deve ter em relação aos nutrientes, é fazer uma análise de solos para saber os teores de magnésio e cálcio existentes nas amostras coletadas nesse terreno. Até 1968, os produtores de banana não faziam a calagem, pois os resultados experimentais não demonstraram sua importância. Isso se deu pelo fato de que nos experimentos foi usado somente o calcário calcítico. Além do mais, os resultados do Ca e Mg eram expressos conjuntamente. Com o aparecimento do “azul da bananeira”, que chega a anular completamente a produção, relatado por mim em 1968, ficou demonstrado que o importante é o teor do magnésio, sendo, portanto, recomendado o uso do dolomítico com alto teor de magnésio e de preferência de origem sedimentar. A bananeira consome menos Ca do que o Mg e este, por sua vez, é mais lixiviado.
O calcário dolomítico deve ser aplicado antes do preparo do solo, usando-se de preferência uma calcareadeira do modelo de arrasto. Depois de feita a correção desses nutrientes, deve-se corrigir o nível de fósforo, aplicando-se da mesma forma um fosfato natural, também de origem de rocha sedimentar. As rochas sedimentares têm maior facilidade para se decomporem, por se hidratarem mais facilmente. Uma vez aplicados esses corretivos, deve ser feita a aração e a gradagem. Sempre que possível, é melhor fazer a operação gradagem com a enxada rotativa, que facilita muito a abertura das covas com o sulcador. O uso do sulcador de cana para a abertura de covas para plantio de bananeiras foi feito por mim, pela primeira vez no mundo, nos meus experimentos na Estação Experimental de Pariquera-Açu, graças a uma longa conversa que tive com meu pai [o pesquisador Sylvio Moreira].
Gostaria de comentar que, quando relatei a ocorrência do “azul da bananeira” nos bananais do litoral e do Vale do Ribeira, o maior grupo de produtores de banana na ocasião era o Moura & Vazquez. Este iniciou, imediatamente, a aplicação em suas plantações de 50 mil toneladas de calcário dolomítico, manualmente. O corretivo veio por ferrovia, de Piracicaba até Itanhaém, onde foi ensacado. Posto isto, os sacos foram levados para as barcaças da organização para subirem o rio Itanhaém e seguirem pelo seu afluente rio Preto até ao rio Mambu, onde foram transferidos para vagonetas de um sistema de ferrocarril da própria organização, que circulava por meio de seus 10 milhões de bananeiras. A repercussão dos resultados obtidos foi tão grande que fez com que a calagem passasse a ser uma prática rotineira entre os bananicultores paulistas, esparramando-se por todo o Brasil. Em 1968, a fim de divulgar esses resultados, eu promovi na Fazenda Piraquera, do Grupo Moura & Vazquez, uma palestra que reuniu mais de 200 produtores. Além disso, todos os laboratórios brasileiros de análise de terra passaram a expressar os resultados dos teores de Ca e Mg, separadamente, assim como também os internacionais.
Toda Fruta – O Prof. Carlos Ruggiero, coordenador de nossa equipe, relata que teve a oportunidade de conhecer, no Vale do Ribeira, o Cedaval, que era vinculado ao Instituto Agronômico de Campinas e desenvolveu parcerias principalmente no desenvolvimento de pesquisas com o arroz irrigado. O senhor poderia comentar a respeito?
Raul Moreira- O Cedaval (sigla de Centro de Desenvolvimento do Vale do Ribeira) foi um convênio firmado entre os governos do estado de São Paulo e o do Japão para o desenvolvimento da região. Efetivamente, poucos resultados foram alcançados. No setor agrícola da banana, não houve nenhum entrosamento. Apenas sobrou a construção de um pôlder(1) na Estação Experimental, no qual nada foi feito com banana, pois o término dessa obra praticamente coincidiu com o fim do convênio.
(1) N.E. Pôlder é uma porção de terrenos baixos, planos e alagáveis, comuns nos Países Baixos, que são protegidos continuamente de alagamentos por meio de diques e dessecamento, visando à utilização na agricultura ou como moradia.
Toda Fruta – No Vale do Ribeira, foram desenvolvidos vários projetos sobre densidades de plantio, que contribuíram para consolidar os espaçamentos mais utilizados atualmente. Como os espaçamentos evoluíram ao longo do tempo?
Raul Moreira – Antes da nossa participação na pesquisa bananícola (iniciada em 1959), os plantios eram feitos quase sempre em regime de empreitadas, que começavam por uma roçada da mata, quando todas as árvores menores eram derrubadas com a foice, fazendo-se assim um arejamento na área. Em seguida, as mudas, preferencialmente do tipo pedaço de rizoma, fornecidas pelo proprietário, eram plantadas em espaçamentos que variavam de 3 x3m a 4 x 4m em reduzidas covas (15 x 15 x 15 cm). Decorridos alguns meses, com as mudas já brotadas, a mata era derrubada com machado e as árvores repicadas para serem utilizadas como lenha, sendo retirada da área no lombo de animais até a um carreador, para ser vendida. Posto isto, num dia não muito quente, a mata era queimada. Depois de algum tempo, as mudas brotavam novamente e as falhas eram parcialmente replantadas segundo o conceito do empreiteiro. Todos os “filhotes” eram deixados a crescer livremente em torno da “mãe”, até completarem a altura de cerca de um metro, quando, com o facão, todos os outros “filhotes” eram eliminados, ficando quase sempre só três, simultaneamente com uma roçada geral do bananal com uma foice. Com o desenvolvimento desses “filhotes”, formava-se uma figura como o pé de “galinha”, que ao crescerem fugiam para distante do local do plantio inicial e com isso formavam uma “touceira”. Todos esses “filhotes”, ao se desenvolverem, ficavam como que um iceberg embaixo da planta “mãe”, que a descalçavam e não deixavam espaços para suas raízes continuarem atuantes. Além disso, forçavam o rizoma “mãe” a se elevar, facilitando seu tombamento muito precocemente. A “touceira,” era em realidade formada por três ou quatro “famílias” (termo que eu criei), que cresciam conjuntamente. Cada “família” consiste em plantas que tenham ligação entre si, na sequência de seus rizomas “mãe”, “filho”, “neto”, “bisneto”, etc., os quais tendem a caminhar sempre em uma única direção.
Estando o bananal com mais de 50% cacheado, a empreitada era considerada encerrada e o proprietário assumia o bananal, pois este era considerado formado. Essas “famílias” se desenvolviam e avançavam para as áreas livres, abandonando, progressivamente, o local de plantio. Muitas clareiras se formavam devido à morte da muda inicial, onde outras mais velhas (com cerca de um metro) eram plantadas. A presença dos tocos na mata impedia a mecanização e também dificultava a caminhada no bananal, o que determinava que todas as práticas agrícolas fossem feitas manualmente (roçadas), pois era necessário dar condições ao bananal de crescer até que se iniciasse a colheita. Fazendo-se uma avaliação da área do bananal, depois da primeira colheita, era possível verificar que o número de “famílias” existentes já era o mesmo que se recomenda hoje para áreas mecanizáveis. Nos bananais plantados em áreas mecanizáveis, devido às recomendações existentes, os plantios passaram a ser feitos em espaçamentos de 1,5 x 2,5 m ou 2 x 2,5 m ou 2 x 3 m ou até 3 x 3 m, cujas densidades, em “famílias”, não são tão diferentes daquelas que se formavam embaixo da mata.
Toda Fruta – Como a pós-colheita evoluiu na região até os dias de hoje?
Raul Moreira – O tratamento pós-colheita sofreu uma grande evolução tanto para as frutas destinadas ao mercado interno como para o externo. Antigamente, os cachos eram colhidos e transportados dentro das propriedades para o local de embarque. Inicialmente, eram colocados em “zorras”, pranchas de madeira tracionadas por animais, que as arrastavam sobre o solo. Posteriormente, os cachos passaram a ser colocados em vagonetas com quatro rodas, que deslizavam sobre trilhos feitos com madeira de lei e eram empurradas pelos próprios operários e produtores Em pouco tempo, foi introduzida a máquina “decauville” para tracionar tais vagonetas nos bananais e os trilhos de madeira foram substituídos por trilhos de ferro, com bitola de 60 cm. O “decauville” era uma pequena locomotiva a diesel, com partida a manivela, com um só cilindro e quatro rodas, dirigida por um maquinista que se sentava de lado para poder olhar para frente e para trás, evitando o tombamento ou descarrilamento de alguma vagoneta. Tinha baixa velocidade, bastante força e era muito robusta, pois dificilmente quebrava. Tinha uma caixa de câmbio com embreagem, a seco, que permitia que andasse para a frente e para trás. E chegava a tracionar até 20 vagonetas, cada uma transportando cerca de 50 cachos. Os trilhos das fazendas do litoral chegaram a ter duas ou três centenas de quilômetros.
Se os cachos se destinavam ao mercado interno, não tinham qualquer embalagem e eram transferidos das vagonetas para vagões da Estrada de Ferro Sorocabana, sendo transportados para a cidade de São Paulo tanto em vagões abertos quanto em vagões também destinados ao transporte de animais. Na capital, era levados para o Mercado Municipal (construído entre 1926 e 1933), em carretas tracionadas por animais e posteriormente em caminhões. Isso se processava na Praça da Banana, que hoje é o pátio da estação Barra Funda do Metrô, onde eram vendidas em sistema de leilão aos intermediários maturadores.
Com a melhoria das estradas de rodagem, os cachos passaram a ser carregados nas fazendas em caminhões, cada um transportando em torno de 6 toneladas, que os levaram para o Mercado Municipal. Com a criação da CEAGESP em 1966, a venda dessas bananas aos intermediários maturadores passou a ser aí realizada. Os caminhões ficavam estacionados nos pátios da CEAGESP, e os interessados (intermediários) faziam as ofertas pela tonelagem de frutas, dialogando com os motoristas, que nem sempre eram os produtores, mas tinham autorização para realizar as vendas.
Até essa ocasião, esses intermediários colocavam os cachos empilhados em cômodos fechados, onde havia latas com carvão queimando por 24 horas, quando então se abria a porta do compartimento por algumas horas, para ventilação. Esse procedimento era repetido. Os cachos eram despencados e as frutas, embaladas em caixas tipo “querosene” e remetidas para o mercado. Posteriormente, passou-se a colocar sobre o carvão pedras de carbureto de cálcio para acelerar a maturação. No primeiro método, geralmente as bananas saiam com cheiro da árvore que produziu o carvão e no segundo, de carbureto.
A partir de 1960, por iniciativa da Cooperativa Central de Bananicultores do Estado de São Paulo (CCBESP), apoiando um conselho do Eng. Agr. Luiz Carlos de Barros Novita, foi introduzida a caixa de madeira para a embalagem das pencas destinadas ao mercado interno. Essa caixa era denominada “torito”, e nela deveriam ser colocados 22 kg de bananas em pencas. Sua vida útil era de 10 a 20 viagens. Assim, os cachos colhidos passaram a ser despencados e as pencas ficavam descansando sobre folhas de bananeira para que a exsudação da seiva parasse. Depois, eram embaladas nos “toritos”, dentro do próprio bananal e nessas mesmas caixas eram amadurecidas e entregues aos feirantes, quitandeiros e supermercados, sem que se fizesse uma pesagem delas. Simultaneamente à introdução do “torito”, a Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo montou no País a primeira câmara de amadurecimento, usando o gás ativador etileno, com temperatura e umidade controladas, o que já era feito no mundo todo. A câmara foi instalada no barracão até então usado pelo Departamento de Imigração e Colonização, na Rua Silva Jardim, em Santos, SP, a qual foi denominada pelo então Secretário da Agricultura, Dr. Herbet Levy, de “Casa do Bananicultor.
Outra evolução introduzida na embalagem das bananas para o mercado interno, foi a lavagem das pencas em tambores esparramados pelo bananal ou então pelo uso da “banheira” móvel (cujo protótipo foi construído por mim em 1972), tracionada por trator, que se deslocava ao longo dos carreadores. Os “toritos” já embalados eram então recolhidos por uma carreta ou mesmo um caminhão. Inicialmente, os “toritos” eram feitos com ripas de madeira e montados na própria fazenda. Posteriormente, passou-se a usar aglomerados de madeira (Duratex), devido ao seu menor custo e peso, porém esse “toritos” tinham vida útil muito curta, pois eram usados apenas uma vez ou no máximo duas. Atualmente, os cachos são colhidos e transportados em carretas tracionadas por trator. Essas carretas têm uma estrutura de ferro com trilhos, nos quais os cachos são pendurados com o auxílio de carretilhas, para seu deslizamento. Essa estrutura ficou conhecida por “Carreta-Cegonha”. Nas propriedades com melhor infraestrutura, as carretas são montadas naquelas que foram usadas anteriormente no transporte de automóveis novos e, por isso, são denominados “Caminhões-Cegonha”, cujo custo é mais baixo e tem bom aproveitamento. Essas “cegonhas” transportam os cachos até um galpão, na própria fazenda, onde são despencados e as pencas, reduzidas a grupos de bananas contendo no máximo seis unidades (buquês), quando então são lavadas em tanques d’água contendo um detergente de uso doméstico, para estancar o vazamento da cica e provocar sua coagulação (conforme minha recomendação). Hoje são embaladas em caixas de papelão com peso variável de 2 a 12 kg e em caixas de plástico com 15 kg.
Depois de embaladas, elas são transportadas para câmaras de maturação, com temperatura e umidade mantidas sob controle. Nessas câmaras, que antes utilizavam o etileno, hoje é usado um agente maturador obtido da queima do álcool. Depois disso, as caixas reunidas em pallets são colocadas em caminhões frigorificados e remetidas para as centrais de abastecimento ou diretamente para os supermercados.
TodaFruta – Para a banana destinada à exportação, como evoluiu o processo?
Raul Moreira – A primeira exportação de bananas feita pelo Brasil foi em 1897, para a Argentina e Uruguai, com frutas colhidas nas Baixadas Fluminense e Santista, em propriedades localizadas junto aos rios que as cortam, sem nenhuma embalagem.
Na sequência, as bananas destinadas à exportação eram transportadas em vagões da Estrada de Ferro Sorocabana até o cais do porto de Santos, onde eram embarcadas nos navios por meio de lingadas, contendo cerca de 40 cachos cada uma, sem nenhuma embalagem. Os cachos eram jogados dos vagões diretamente no chão onde estava o pallet da lingada.
Nas propriedades que ficavam ao longo dos rios navegáveis, os “decauvilles” tracionavam as vagonetas com os cachos até as barcaças, que eram arrastadas rios abaixo até o mar por pequenas lanchas dos produtores. Chegando ao mar, eram substituídas por embarcações (chatões) maiores e mais possantes, seguindo até Santos. Lá chegando, posicionavam-se ao lado dos navios, onde eram armadas as lingadas com uma quantidade de quase cem cachos, no próprio chatão. Havia uma preferência dos produtores por esse sistema de manuseio dos cachos da fazenda até ao costado dos navios feito por seus próprios operários, devido à forma muito indelicada com que os estivadores do cais lidavam com as frutas.
Os bananicultores do Vale do Ribeira tinham maiores dificuldades para transportar suas produções, pois aquelas destinadas à exportação eram recolhidas ao longo do rio Ribeira, desde Eldorado, e seguiam pelo rio Juquiá até o terminal da Sorocabana, em Juquiá, onde eram carregadas em seus vagões e seguiam o mesmo sistema descrito anteriormente, até Santos.
Todo esse sistema de exportação estava condicionado ao dia da chegada e partida dos navios em Santos, para então se programar o corte da banana e tudo mais que envolvia seu transporte. Era sem dúvida uma operação bastante complicada, para uma época em que não havia telefone e tudo tinha que ser feito por meio de comunicação com rádio particular, que nem sempre funcionava.
A primeira interferência agronômica de que se tem notícia no cultivo da bananeira foi feita pelo Eng. Agr. João Ferreira da Cunha, em 1931, que substituiu a manta importada da Holanda e da Argentina, que era feita com pés de trigo para embalar os cachos a serem exportados, por folhas de taboa (Typha domingensis), que passaram a ser colhidas e costuradas na própria fazenda.
Evolutivamente, a partir de 1959, passou-se usar a embalagem dupla, que consistia em envolver o cacho em um saco de polietileno perfurado, para reduzir os atritos, e depois colocar a manta feita com a esteira de taboa.
O transporte para o porto de Santos seguia a mesma rotina usada nos cachos anteriormente exportados sem nenhuma embalagem. Com o decorrer do tempo e a melhoria das estradas, os grandes produtores do litoral fizeram estradas em suas propriedades, de modo que jamantas abertas, com capacidade de 20 toneladas, pudessem ser carregadas no meio do bananal. Essas jamantas acabaram sendo substituídas por outras frigorificadas, que operam até hoje. Da mesma forma, os produtores do Vale do Ribeira passaram também a usar esse tipo de transporte.
Toda Fruta – Outro ponto que gostaríamos de destacar sobre seu trabalho é o “método de injeção no controle da Sigatoka”. O senhor poderia comentar a respeito?
Raul Moreira – Este trabalho consistiu em se colocar na bainha das folhas mais novas da planta “mãe” uma dose de fungicida sistêmico para que ela o absorvesse. Os resultados não foram os melhores, pois após a aplicação havia necessidade de se ter no mínimo 12 horas sem chuva. Tentando resolver esse problema, optamos pela injeção, mas a mão de obra era complicada, uma vez que havia necessidade do operário ter de transportar, junto com o equipamento da injeção, uma pequena escada para atingir as bainhas das folhas mais novas da “mãe”. Quanto à eficiência do método, nada há a contestar. Esse sistema vai ainda ter sua aplicação, principalmente nos bananais próximos às cidades, que reclamam da poluição que as pulverizações causam quando feitas por via aérea. É uma questão de tempo.
Toda Fruta – Por seu intermédio, esteve no Brasil o Dr. Jean Champion do IRFA (França). Qual a importância desse cientista e da organização que representava? E qual o impacto que sua visita teve na bananicultura?
Raul Moreira – Em 1969, o Dr. Jean Champion, atendendo a um meu convite, esteve nos dando uma consultoria por 40 dias, que foi possível graças aos auxílios recebidos da FAPESP. Na ocasião, percorremos juntos vários bananais e também meus experimentos. Ele concluiu que eles estavam bem direcionados e objetivos, em uma palestra feita na sede da Cooperativa Central de Bananicultores do Estado de São Paulo, referendando meus trabalhos e os novos conceitos agrícolas que eu estava propondo aos produtores, os quais passaram a utilizá-los não só em São Paulo como em todo o Brasil. Foi um grande apoio moral para mim.
Posso informar que tive 25 experimentos de adubação, espaçamentos, tamanho de cova, competição de cultivares, condução das plantas antes e depois da colheita, desbaste, herbicidas, ciclos de produção, tamanhos de mudas, destruição de bananais os quais foram instalados nas Estações Experimentais de Pariquera-Açu, Ribeirão Preto, Pindorama, Pindamonhangaba e Ubatuba; outros 15 foram conduzidos em propriedades particulares em Guarujá, Itanhaém, Itariri, Miracatu, Iguape, Sete Barras, Registro e Eldorado Paulista. Esses experimentos puderam ser conduzidos e seus dados coletados graças aos auxiliares de agrônomo que trabalharam comigo, com muita responsabilidade e eficiência, a saber, Alcindo Biajoli, Antônio Camargo, Gilberto Corrêa de Abreu e Sérgio Luiz de Melo, e também graças ao apoio da FAPESP.
Toda Fruta – Em sua opinião, quais os produtores que mais se destacaram para o desenvolvimento da bananicultura do Vale do Ribeira?
Raul Moreira – Eu inicio dizendo que, para mim, o Vale do Ribeira se inicia pela bacia do rio São Lourencinho, que atravessa grande parte do município de Miracatu, cujas várzeas são menores do que as do litoral. Os primeiros plantios de banana foram feitos nessas várzeas e depois se expandiram para as montanhas, onde pouca tecnologia de cultivo pode ser aplicada. Nessa região, destacaram-se pela quantidade cultivada e ou pela adoção das novas tecnologias os seguintes produtores, alguns dos quais já nos deixaram: Antonio Haiek, Carlos Hirakawa, Edgar Reitz, Eije Nagata, família Carriço, família Tuzino, Hans Guettman, irmãos Raul e Ovídio Gutierres, irmãos Tsujita, Ives Margarido de Castro, Manuel Gonçalves, Odair Domingues, Oliver Reitz, Paulo de Castro de Oliveira e Sidney Miadaira.
Relacionando da mesma forma os produtores dos demais municípios do Vale do Ribeira teremos: em Juquiá, famílias Florêncio, Ibrain; em Registro, Kodak, família Unten, Jamil Haiek, Roberto Kubori e Franco Ohia; em Sete Barras, Franco Ohia, Jorge Ohia, Oscar Magário e Reinaldo Kabata; em Eldorado, César Leite e Eribaldo Villares; em Jacupiranga, Dona Irlene, Massakio, Mário Toldi, Orivaldo Dan e Paulo Ohia; em Cajati, famílias Kitahara e Koga, Ibraim e Renê Mariano; em Iguape, José da Costa Branco, Minoru Shimabukuro e Raul Soares Moreira,
Toda Fruta – Que outras recomendações o senhor gostaria de acrescentar?
Raul Moreira – Os conceitos que vou expor são frutos de minha experiência como pesquisador, extensionista e produtor.
Inicialmente, os produtores precisam saber que o bananal não deve ser mantido mais em caráter permanente numa área e que eles precisam ser reformados periodicamente. Essa periocidade varia segundo o bananal (cultivar, condições climáticas, fertilidade, tratamento, tipo de solo, etc.) e é determinada por meio da avaliação do desenvolvimento das “famílias”, do mesmo.
No caso de um bananal do cultivar Nanicão, se a planta “mãe” não tiver um ”neto” com no mínimo 40 cm de altura por ocasião da colheita, é sinal de que está tendo um desenvolvimento retardado, que redundará em um alongamento de seu ciclo de produção (número de dias entre a colheita da planta “mãe” e do “filho”). Havendo esse problema e se a topografia permitir a mecanização, o bananal deverá ser preparado para ser destruído e replantado. Dessa forma, haverá uma recuperação da juventude do bananal e da sua produtividade.
Essa preparação é iniciada fazendo-se um desbaste geral. Para isso é preciso tomar-se como padrão uma determinada altura média dos “filhos”, cujas “mães” estejam próximas de lançar sua inflorescência. Todos os demais, com altura menor do que a padrão, devem ser podados ao nível do solo e ter sua gema apical eliminada com a “lurdinha”. Essa ferramenta foi criada por mim em 1966, cujo protótipo se assemelhava à célebre metralhadora usada pelo então Deputado Federal Tenório Cavalcante, de Duque de Caxias, RJ, e carregada sob sua capa preta, para eliminar seus inimigos. Posteriormente, em 1967, a “Lurdinha” foi simplificada por mim, na oficina mecânica do próprio Instituto Agronômico de Campinas, ficando mais eficiente na operação de desbaste das bananeiras. Não é recomendável que se penetre a “lurdinha” muito profundamente no rizoma, pois isso provocaria nele vários fendilhamentos verticais, como se tivesse explodido, e até mesmo a ruptura do seu cordão umbilical, interrompendo o elo de ligação entre “mãe” e “filho”. O desbaste feito com o facão e complementado com a “lurdinha” proporciona a vantagem de não destruir o rizoma do rebento a ser eliminado, permitindo assim que seu sistema radicular continue alimentando a planta “mãe”. Esta metodologia abriu uma sistemática totalmente nova no conceito de desbaste, dada sua rapidez e 100% de eficiência, o que a torna muito recomendável. A metodologia de se desbastar com a “lurdinha” começa com o corte horizontal do pseudocaule dos rebentos a serem eliminados, corte esse que deve ser feito com o facão ou com o penado, a cerca de 5 a 8 cm do solo. A poda assim feita evita que se danifique o corte da ferramenta quando, acidentalmente, ela entra em contato com o solo. Posto isto, introduz-se a “lurdinha”, tendo como alvo a parte mais central das bainhas do rebento. Ela deve ficar em posição quase vertical, isto é, com uma inclinação cerca de 5 graus para longe da bananeira. Quando a penetração fica mais difícil, é sinal de que se atingiu o rizoma, onde está a gema apical de crescimento. Por isso, não é necessário que ela seja introduzida mais profundamente. Em seguida, inclina-se a ferramenta para longe da planta, até atingir um ângulo de 45 graus com a vertical. Esse movimento provoca o desligamento da gema apical do rizoma. Retirando-se a ferramenta de dentro do rebento que está sendo desbastado, sai do interior dela um pequeno tarugo de pseudocaule (± 10 cm) e de rizoma (± 2 cm), que contém no seu colo, na sua parte mais central, a gema apical de crescimento. Posto isto, está completa a operação de desbaste. A metodologia da “lurdinha” possibilita ainda que, dada a estrutura morfológica da bananeira, se possa introduzir, pelo buraco aberto nos “filhotes” desbastados, adubos e defensivos sistêmicos, misturados, diretamente no seu interior, como se tivessem sido injetados. Desta forma os produtos são total e rapidamente absorvidos, o que os torna muito mais eficientes do que se fossem aplicados via solo ou foliar. Dado a estas condições, eles podem ser utilizados em quantidades menores, de apenas 20% das doses recomendads, tendo-se ainda a vantagem de não causarem poluição ambiental, uma vez que suas degradações se processam no interior da própria planta. A “lurdinha” é hoje usada no mundo inteiro.
Com o desbaste, todas as plantas “mães” ficarão apenas com um “filho”, que terá um desenvolvimento mais rápido, devido ao arejamento do bananal, e irão produzir mais brevemente.
Havendo poucos cachos para serem colhidos, inicia-se o arrancamento das mudas. Elas serão classificadas pelo seu tamanho em grupos que serão plantados, formando lotes de diversas idades, que produzirão em diferentes épocas. É certo que, no novo bananal, haverá necessidade de uma grande quantidade de mudas, pois ele será plantado em maior densidade.
Depois do arrancamento das mudas viáveis, o que sobrou do bananal será destruído com a passagem de um rotavator.
Essas mudas aproveitáveis devem ser escalpeladas com um facão, de modo a se eliminar todas as manchas pretas de brocas das bananeiras, nematoides ou raízes mortas. Posto isto, elas serão colocadas por 3 a 5 minutos dentro de uma solução contendo 1% de hipoclorito de sódio, de modo que apenas sua parte escalpelada fique dentro da solução. Esta pode ser usada enquanto estiver queimando o tecido, e substitui qualquer produto de combate às pragas citadas.
Conforme já foi explicado, na sequência das operações, deve-se distribuir o calcário em toda a área, seguido de nova passagem do rotavator. Após essa operação, o fosfato natural será aplicado e então se realiza a aração geral do terreno, seguida de nova rotovatagem ou uma passada da grande de arrasto, que realiza a operação mais rapidamente e a menor custo. Na hipótese de não ser preciso fazer-se nenhuma aplicação de corretivos, a aração e a gradagem (ou rotavatagem, que acelera a decomposição dos restos do bananal) serão feitas normalmente.
Os sulcos serão abertos a uma profundidade de 30 cm e distanciados entre si na maior dimensão que se pretenda plantar o bananal. Este procedimento decorre das possíveis mecanizações a serem feitas. A muda será assentada no fundo do sulco, sem haver o cuidado de se limpar as terras que caíram dentro dele, pois a profundidade do sulcamento servirá como um arejamento para as raízes se desenvolverem. Em seguida, encosta-se terra em ambos os lados do sulco e pisa-se sobre ela, para que a muda fique mais firme. Com um facão bem afiado, os últimos 20 a 30 cm da muda serão aparados. Tendo a muda soltado duas a três folhas, o que deve ocorrer depois de 30 a 60 dias, e havendo disponibilidade de se aplicar matéria orgânica, isto deve ser feito. Usando-se uma carreta tracionada por um trator, que se deslocará a cavalo sobre o sulco, a matéria orgânica será aplicada manualmente entre as mudas. Posto isto, é feito o fechamento do sulco com o auxílio de uma plaina dupla, tracionada por um trator, que se deslocará a cavalo sobre ele. Essa será a primeira capina que eliminará os primeiros matinhos que estiverem se formando.
Em seguida, pode-se fazer a aplicação de um herbicida residual sobre a área total, como o diuron, que não prejudica as plantas se não for adicionado nenhum detergente ou espalhante adesivo na solução.
As folhas que estiverem se soltando do pseudocaule ou com 50% ou mais de sua superfície seca, devem ser aparadas junto a sua bainha, com um penado ou um facão, bem afiado e esparramadas sobre o terreno.
Apenas o “filho” maior será conservado e os outros, supérfluos, devem ser eliminados com a “lurdinha”, quando já estiverem com cerca de 20 cm de altura. Isto é feito com um facão ou com o penado, cortando-o bem rente ao chão. Usando-se a metodologia descrita, faz-se a extração da gema apical de crescimento. Deve-se lembrar sempre que em cada cova deverá haver apenas uma “família”
Nesse buraco aberto com a “lurdinha”, deve-se iniciar a aplicação das parcelas das doses anuais de nematicida e dos micronutrientes. Eles podem ser misturados ou não entre si e serem colocados no buraco aberto com uma colher feita de bambu ou de cano de PVC, com 3/4 de polegada, de modo a se combater simultaneamente os nematoides, a broca das bananeiras (Cosmopolites sordidus) e outros insetos parasitos em uma só vez e ainda nutrir a “família”, a cada seis meses.
A “lurdinha” pode também ser usada para se abrir buracos no pseudocaule da “mãe” recém-colhida, dentro do qual se faz a aplicação dos defensivos e dos nutrientes. Esse buraco é feito introduzindo a ferramenta no seu pseudocaule, numa altura de cerca de 40 cm, de modo a ficar levemente inclinada para o alto.
A criação da “lurdinha” permitiu-me desenvolver esta metodologia, que só trás benefícios para o meio ambiente, pois se usa apenas 20% do defensivo, facilita a translocação dos produtos dentro da planta e reduz as perdas por lixiviação dos mesmos.
Em se tratando da formação de um bananal usando mudas produzidas por biotecnologia, o interessado deve procurar no site TodaFruta (http//www.todafruta.com.br) as instruções completas de como produzir e plantar a muda originada por biotecnologia, elaborada por mim, com o nome – “A muda da bananeira – sua formação e plantio”.
Para o controle da sigatoka amarela (Micospherela musicola) e da negra (fase perfeita –Mycosphaerella fijiensis Morelet, 1969 e imperfeita – Paracercospora fijiensis (Morelet) Deighton, 1976) há necessidade de se fazer pulverizações frequentes, com um óleo enriquecido com um fungicida sistêmico. No inicio do aparecimento dessas moléstias, usaram-se atomizadeiras costais importadas, as quais foram substituídas por uma de marca Turbo, também motorizada, criada pelo Eng. Agr. Marcos Vilela de Magalhães Monteiro, em 1964, que foi montada em um chassi tubular e era transportada por dois operários. Teve uma vida curta, dado seu pequeno rendimento e dificuldade operacional. Em 1972, com base em um equipamento importado durante a 2ª Grande Guerra pelo IAC, eu idealizei uma nova atomizadeira, que foi batizada como “Girafa”. Com base nesse protótipo, a Metalúrgica Estrela de Pompéia, SP, passou a fabricá-la. Diante de seu sucesso, a Jacto Equipamentos Agrícolas (também de Pompéia) comprou essa metalúrgica e passou a produzi-la. Atualmente, há várias metalúrgicas brasileiras que fabricam essas atomizadeiras, com modelos diferentes, porém usando o mesmo princípio da “Girafa”. Ela trabalha acoplada ao eixo tomada de força de um trator e é muito usada em topografias acidentadas e por produtores de médio porte. Juntamente com a introdução da “Girafa”, foi possível fazer-se pulverizações à noite, com menor consumo da mistura fúngica, pois quase não há evaporação. Nas grandes propriedades, a aplicação do produto é feita por aviões voando no máximo a 5m de altura, equipados com uma barra de bicos injetores ou então com micronairs. Os aviões fazem um bom serviço, porém precisam de um bom piloto e que haja uma pista de pouso distante no máximo a 12 km, por uma questão de economia. O uso do helicóptero faz um bom serviço também, porém seu custo operacional é muito alto.
TodaFruta – A equipe que coordena o TodaFruta, liderada pelo Prof. Carlos Ruggiero, agradece ao senhor pela valiosíssima contribuição que esta entrevista representa e que é um verdadeiro presente pelos 15 anos de existência de nosso portal.
Raul Moreira – Finalizando, quero dizer que respondi a esta entrevista como se estivesse conversando com um amigo. Por esse motivo, senti-me à vontade de declarar que fui autor de várias inovações que contribuíram para o desenvolvimento da bananicultura no Brasil e no mundo.
Ao final de sua entrevista, o Dr. Raul Moreira deixou um resumo do conjunto de suas recomendações, que publicamos a seguir.
Raul Moreira – Gostaria de citar, resumidamente, os tópicos mais importantes que desenvolvi nas minhas atividades bananícolas, que todo produtor deve levar em consideração para ter sucesso na sua atividade e que constam do livro “A História da Fruticultura Paulista”, editado pela Sociedade Brasileira de Fruticultura em 2010.
Recomendo ainda, a todos que queiram se inteirar mais do cultivo da banana, que procurem ler meu CD – “Banana, teoria e prática de cultivo”, que foi editado pela Fundação Cargill, em sua 2ª edição em 1999.
Esse é o relato sucinto da minha contribuição para o desenvolvimento da bananicultura, com o apoio dos colegas pesquisadores e extensionistas. Juntos, conseguimos modificar por completo o cultivo da banana nas regiões do litoral e Vale do Ribeira, que é, hoje, modelo para o Brasil. Esse grupo de abnegados foi composto principalmente por Jayme Vazquez Cortez, Luiz Carlos de Barros Novita, João Adelino Martinez, Massaychi Maegi, Marcos Vilela de Magalhães Monteiro, Ernesto Walter Bleinroth, João Jacob Hoelz, Reynaldo Lepsch, Luiz Alberto Saes, Luiz Antônio de Campos Penteado, Roberto Kubori, Gaston Weill e Renê Coelho.