As descobertas a respeito do gosto continuam surpreendendo cientistas e entusiastas da gastronomia. Esse sentido que parecia ser tão simples, revela-se cada vez mais misterioso. O objetivo dessa coluna é condensar diversas pesquisas recentes sobre o assunto num único texto, sem muito detalhes moleculares para torná-lo mais “digestivo”.
Lembra daquele mapa da língua que aprendemos no colégio, descrevendo que o doce é reconhecido na ponta da língua, amargo no fundo e azedo dos lados? Pois é, está completamente errado. Esse mito começou a ser propagado a partir de um erro de tradução de um trabalho alemão para o inglês. Na verdade, todas as regiões da língua possuem receptores para todos os gostos, a sensitividade sim varia de acordo com a região.
As pequenas saliências na língua não são os receptores dos gostos. Cada papila tem o formato de pequenos cogumelos e acomoda de 50 a 100 receptores. Os nervos que transmitem os sinais dos receptores da língua para o cérebro passam por trás do canal auditivo. Esse atalho anatômico pode ser a razão de algumas infecções no ouvido causadas por alimentos ricos em gorduras, por exemplo. Cerca de 20% da população são considerados como “superdegustadores”, pois possuem um número significativamente maior de papilas na língua. Mas esses superdegustadores sofrem de sensitividade aguda, não suportam o gosto de vegetais ricos em nutrientes como o brócolis, muito amargo para eles. A consequência? São aparentemente mais propensos a desenvolver certos pólipos pré-cancer.
E para quem não é um superdegustador, o bom gosto começa desde cedo. O sabor de comidas como cenoura, alho e baunilha pode ser sentido pelo feto no líquido amniótico e pelo bebê através do leite materno. O gosto do leite materno é influenciado não só pelo alimento da mãe, mas também por aquilo que ela cheira durante o dia. Os bebês ,por sua vez, tendem a preferir alimentos ingeridos pelas mães durante a gravidez, provados pela primeira vez no útero.
Todos sabemos reconhecer doce, amargo, salgado e azedo, mas menos conhecido é o quinto elemento: umami. O umami é aquele gosto semelhante ao ajinomoto e outras comidas com alto teor de glutamato. O receptor para umami não se encontra apenas na língua, mas difuso em todo aparelho digestivo. Acredita-se que participa também na digestão e nutrição.
Acredita-se que cada gosto tenha apenas dois a três tipos de receptores, com exceção do amargo, que possui 25. A razão dessa expansão parece estar relacionada com a proteção contra comida estragada ou envenenada. A maioria dos compostos de plantas venenosas tem gosto amargo.
Doces e álcool ativam o mesmo sistema de recompensa do cérebro. Essa observação foi confirmada de forma independente quando se mostrou que crianças vindas de famílias com histórico de alcoolismo tinham preferência por sabores intensos de doces. A “larica” de quem consome maconha também pode ser explicada de maneira semelhante: os endocanabinoides (químicos relacionados ao principio ativo da maconha) amplificam o gosto dos doces.
Mas talvez a notícia mais doce do momento seja a fruta africana conhecida como fruta-do-milagre. A fruta contém um tipo de glicoproteina chamada miraculina, que se associa aos receptores da língua fazendo com que frutas azedas sejam percebidas como doces. Misture sorvete de limão com cerveja preta e tome junto com a miraculina, vai ter gosto de milkshake de chocolate. Esse fenômeno de reorganização dos circuitos neurais do palato dura por apenas algumas horas.
Pesquisadores da Universidade da Flórida, nos EUA, conseguiram clonar o gene que codifica a miraculina em tomates e morangos transgênicos. O objetivo da pesquisa é desenhar frutas com baixo nível de açúcares e vegetais que sejam mais atraentes ao paladar. Obviamente também desenharam adoçantes baseados na fruta, tendo como alvo o público diabético. Doce não?