Microrganismos benéficos associados ao gênero Ananas apresentam grande potencial para atuarem como promotores de crescimento na cultura do abacaxizeiro. Pesquisa realizada com a variedade de abacaxi BRS Imperial mostra que a utilização desse processo, chamado de microbiolização, pode acelerar em até 34% o tempo de aclimatização das mudas micropropagadas. Isolados dessas bactérias que se mostraram promissores vão seguir também para testes em condições de campo. Uma boa notícia para viveiristas e abacaxicultores, já que o período de produção de mudas é um dos principais gargalos da cultura por ser muito longo, podendo levar até um ano, dependendo da variedade utilizada e das condições de plantio.
Esse é o resultado de estudo da Embrapa em conjunto com a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e publicado na revista Scientia Horticulturae, da editora holandesa Elsevier. O trabalho mostra também outras vantagens do processo de microbiolização, como a obtenção de mudas com maior vigor e mais sadias. A pesquisa integra o conjunto de esforços da Empresa na busca de um sistema de produção do abacaxizeiro mais sustentável.
“A utilização de microrganismos como promotores de crescimento não é novidade. No entanto, essa abordagem, que utiliza bactérias do próprio microbioma do abacaxi, é nova. Nosso estudo investigou o potencial de crescimento dos isolados e o microbioma do solo associado ao abacaxi, visando minimizar perdas, promovendo o crescimento e reduzindo o tempo de aclimatização de mudas, na tentativa de oferecer aos produtores um material propagativo de melhor qualidade”, ressalta a pesquisadora da Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA) Fernanda Vidigal, líder do projeto “Uso de insumos biológicos na produção de mudas e melhoria do cultivo do abacaxizeiro” — financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e continuação de outros projetos custeados pela Embrapa. Ela é uma das coordenadoras dos estudos que integram o artigo baseado na dissertação de mestrado de Polyana Santos da Silva e na tese de doutorado de Cintia Paula Souza, ambas pela UFRB.
Silva ressalta o diferencial da utilização de microrganismos relacionados ao ambiente do abacaxi. “Esses microrganismos já coevoluíram, são adaptados ao microbioma da planta. Os resultados acabam sendo mais promissores porque não temos a necessidade de verificar se vai ter algum antagonismo, alguma incompatibilidade. Estudos anteriores mostraram que, em vários ambientes, as espécies de microrganismos associadas ao abacaxi eram basicamente as mesmas. Daí conseguimos identificar quais são os isolados que estão ali causando essa promoção de crescimento”, afirma Silva, hoje doutoranda em Ciências Agrárias da UFRB.
Desenvolvida pela Embrapa, a variedade BRS Imperial apresenta excelente desempenho agronômico, sendo resistente à fusariose, a mais severa doença do abacaxizeiro. É ainda muito apreciada pelos consumidores por conter elevado teor de açúcar, além de não possuir espinhos na coroa e na casca. Um dos grandes entraves para sua ampla difusão é a produção de mudas sadias em larga escala.
“Nossas pesquisas são sempre baseadas no BRS Imperial e no Pérola, os abacaxis mais consumidos do País. O protocolo para a multiplicação de mudas de abacaxi via micropropagação não tem mistério. O problema é o tempo que a muda micropropagada leva na etapa de aclimatização em casa de vegetação. Para se ter uma ideia, uma muda de banana, com 45 dias, pode sair da casa de vegetação e ir para outra etapa. A de abacaxi não, isso pode levar meses, o que encarece demais a muda”, compara Vidigal. Ainda fazendo um paralelo com a cultura da bananeira, ela lembra que a densidade do abacaxi no campo fica entre 30 mil a 40 mil plantas por hectare, bem diferente da banana, produzida por cerca de mil plantas na mesma área. É grande, portanto, a demanda por mudas sadias e em larga escala. Por isso, é importante investir na redução desse tempo na produção da muda. “Os resultados têm sido tão animadores que começamos também a trabalhar com os novos híbridos que estão em rota de lançamento”, anuncia a pesquisadora da Embrapa.
Com a inoculação de uma das bactérias no cultivo in vivo (casa de vegetação), o tempo de aclimatização foi reduzido de 180 dias para 120 a 135 dias, o que corresponde a uma eficiência de 25% a 34%, refletindo diretamente em custos mais baixos para as biofábricas e tornando o processo economicamente viável com mudas mais desenvolvidas e saudáveis.
Como ressalta o fitopatologista Saulo Oliveira, pesquisador da Embrapa, coautor do artigo e também coordenador dos trabalhos, essa redução é um resultado muito satisfatório. “Se você tem 34% de aumento de eficiência e a produção de muda é constante, isso pode ter um impacto grande no número de ciclos que você vai conseguir fazer por ano. Se o ciclo era de 180 e caiu para 120, com o tempo de dois ciclos, posso fazer três. Em 360 dias, consigo três ciclos dentro da casa de vegetação. Isso faz uma grande diferença para a empresa produtora de muda”, acrescenta.
Essa pesquisa é um desdobramento de estudo que consta de outro artigo, embasado na dissertação de mestrado de Carlos Souza (UFRB), publicado também na Scientia Horticulturae, em 2019, que refletiu resultados do primeiro projeto da Embrapa — liderado também por Fernanda Vidigal, curadora do Banco Ativo de Germoplasma (BAG) de Abacaxi, localizado na Embrapa Mandioca e Fruticultura, em Cruz das Almas (BA) —, cuja ideia original era estabelecer um novo modelo de conservação das plantas do BAG de Abacaxi, de forma a melhorar a qualidade dos materiais. Oliveira, coordenador também dos estudos relacionados ao artigo mencionado, explica que o objetivo foi mapear a diversidade de microrganismos cultiváveis considerados na literatura como benéficos, existentes no solo rizosférico (aderido às raízes) e em tecidos internos do gênero Ananas provenientes de três diferentes ambientes: populações naturais, campo de cultivo comercial e área de conservação do BAG de Abacaxi.
“Comparamos esses diferentes estratos, saindo do solo até a parte superior da planta. Também fizemos comparações desses estratos entre plantas de ambiente cultivado, por exemplo, de plantios em Itaberaba (BA), e plantas de ambiente de ocorrência natural, com isolados que vieram, por exemplo, da região amazônica, de região também de Mata Atlântica, de diferentes biomas. Buscamos microrganismos que tivessem associação com o abacaxi e pudessem gerar benefícios para o crescimento da cultura”, conta.
O objetivo do segundo estudo foi lançar mão dos principais grupos de microrganismos que se mostraram promotores de crescimento e testar em ambientes de produção de mudas in vitro (estágio de enraizamento), in vivo (aclimatização na casa de vegetação) e também em condições de semicampo (em vasos). “Então, o primeiro ponto era identificar quais eram os grupos que poderiam ser os principais para promover o crescimento e reduzir o tempo de produção das mudas. O segundo ponto foi obter mudas mais fortes. Porque, além de diminuir o tempo, elas crescem mais, acabam ficando com uma rusticidade maior. Essas bactérias ajudam na fixação de nutrientes, e as mudas chegam com qualidade fisiológica maior ao campo”, detalha Oliveira.
Silva explica que, inicialmente, foram realizados 18 tratamentos considerando os microrganismos associados ao gênero Ananas e identificados no trabalho descrito no primeiro artigo. Os resultados obtidos (veja figura abaixo) demonstram que um dos isolados (BAC222) foi o melhor para o tratamento em casas de vegetação, promovendo o crescimento, a sanidade e o vigor das mudas micropropagadas. Outro isolado (BAC406) se mostrou mais promissor na promoção de crescimento de mudas de abacaxizeiro in vitro e também nas condições de semicampo, e será levado para testes em áreas de cultivo comercial.
Oliveira ressalta que esses microrganismos promotores de crescimento podem controlar diretamente patógenos, ou seja, exercer controle biológico ou de forma indireta causar indução de resistência. “Há uma derivação, um ramo de ativação, em que podem acontecer as duas coisas. Esses grupos de bactérias são conhecidos por promover o crescimento e também biocontrole e indução de resistência. O microrganismo pode ter qualquer uma dessas funções, duas das funções, em combinações diferentes delas. Isso é o que estamos pesquisando agora no projeto em relação à fusariose e à murcha do abacaxizeiro.”
Segundo o pesquisador, a ideia é verificar essas possibilidades, que estão interconectadas, e entender o papel desses microrganismos no auxílio da defesa da planta contra a fusariose, no caso do Pérola, e contra o vírus da murcha do abacaxizeiro, em relação ao BRS Imperial. Um controle biológico direto de uma bactéria sobre vírus, como destaca Oliveira, é muito difícil, normalmente não é relatado na literatura. “O que esperamos é que, ao aumentar o vigor da planta com a promoção de crescimento conferida pelas bactérias, a produtividade não seja tão afetada por conta do vírus da murcha. Ou seja, pode haver uma compensação. Se a produtividade é aumentada, as mais produtivas podem compensar a mortalidade das outras, mesmo que não haja efeito nenhum do microrganismo sobre o patógeno”, explica.
Fernanda Vidigal acrescenta que esse trabalho visa atender a outra demanda do setor produtivo: a redução da dependência de insumos químicos. “Como resultado, espera-se uma muda de qualidade e a validação dos processos de microbiolização também a partir de avaliações em campo, considerando a interação dos isolados com o solo. É o que estamos fazendo agora no projeto.”
O objetivo final de todo esse trabalho, de acordo com Oliveira, é a produção de bioinsumos. “Temos várias possibilidades de fazer com que isso chegue ao produtor. A Embrapa não irá produzir; teremos parceiros para isso, como acontece, por exemplo, com o Trichoderma [espécie de fungo] utilizado para controlar o Fusarium da bananeira, disponibilizado para parceiros produzirem”, adianta o pesquisador.
Em uma estratégia análoga à Rede Reniva (Rede de multiplicação e transferência de material propagativo de mandioca com qualidade genética e fitossanitária), a Embrapa instituiu a Rede Ananás, que envolve, no caso, os taleiros, agentes produtores e multiplicadores de mudas de abacaxi em larga escala, utilizando a técnica do seccionamento de talo. Já existem alguns pelo País, que recebem os materiais básicos da Embrapa multiplicados pelo Instituto Biofábrica da Bahia (IBB), em Ilhéus. Recentemente, a Embrapa Mandioca e Fruticultura renovou o contrato de cooperação técnica com o IBB, e o abacaxizeiro é uma das culturas-alvo.
O uso da muda micropropagada é a alternativa mais recomendada para estabelecimento de matrizeiros, por serem padronizadas e livres de doenças. Como explica o engenheiro-agrônomo da área de transferência de tecnologia da Embrapa Herminio Rocha, coordenador da Rede Ananás, as mudas produzidas por biofábricas, denominadas plantas-matrizes, são caras e não se destinam para envio direto ao campo.
“A Rede Ananás realiza um trabalho de comunicação para que o produtor compreenda que a difusão de material de plantio por meio das biofábricas é um meio de distribuição de genética de qualidade e com comprovada sanidade vegetal. E essa genética é multiplicada por esse produtor, no caso o taleiro, posteriormente no campo em condições não controladas. Para formar um hectare de mudas de abacaxi, são 35 mil unidades. Se o produtor for pensar em comprar isso tudo de um laboratório, é muito dinheiro, seria inviável”, relata Rocha.
Ele ressalta as vantagens do processo de microbiolização, que poderá ser utilizado pela biofábrica e pelos taleiros, na medida em que avançam os estudos sobre os isolados. “A microbiolização serve para promover características agronômicas de uma muda. Ela fica com porte mais elevado, o tecido fica mais enrijecido e ainda tem uma produção de raízes bastante interessante. Todas essas características são muito desejáveis, além da possibilidade de haver o efeito da indução de resistência para patógenos de solo, como o Fusarium, o que merece ser estudado mais a fundo”, reitera o agrônomo.
Esses estudos estão alinhados ao compromisso da Embrapa com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), agenda mundial adotada durante a Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável em 2015 com a missão de construir e implementar políticas públicas que visam guiar a humanidade até 2030 (Agenda 2030).
Atendem ao Objetivo Número 2 “Fome zero e agricultura sustentável”, que consiste em erradicar a fome, alcançar a segurança alimentar, melhorar a nutrição e promover a agricultura sustentável.
Em 2017, foi criada a Rede ODS Embrapa, que visa gerenciar a inteligência distribuída nas Unidades de pesquisa e responder a demandas sobre a Agenda 2030.
FONTE: https://revistacultivar.com.br/home