Um corante vermelho-violeta intenso, natural, obtido com tecnologia limpa e que faz bem à saúde. Desenvolvido a partir da pitaia, da variedade Hylocereus polyrhizus (casca e polpa vermelhas), nos laboratórios da Embrapa Agroindústria Tropical (CE), o produto está pronto para elevação de escala tecnológica junto a empresas interessadas em sua produção como alternativa promissora para o bilionário mercado de corantes.
De todas as vantagens listadas pelos inventores da tecnologia, a mais impressionante é, sem dúvidas, a cor do produto, que, dependendo da concentração, pode conferir diferentes nuances de vermelho, violeta e rosa. “É um insumo com características muito interessantes para os mercados alimentício e de cosméticos”, diz um dos criadores da novidade, o pesquisador Guilherme Julião Zocolo, coordenador do projeto.
Ele explica que, nos últimos anos, as empresas têm migrado do uso de corantes artificiais para naturais, embora os primeiros apresentem menores custos de produção e características tecnológicas desejáveis. O consumidor tem rejeitado os corantes artificiais pela associação a doenças e a impactos ambientais.
O novo produto é uma alternativa para substituição ao carmim de cochonilha, o corante vermelho natural mais utilizado pela indústria, mas que é reprovado pelo mercado plant based por ser produzido a partir de um inseto. Outro fator que pesa contra esse corante é a possibilidade de causar alergia em algumas pessoas. Nos mercados norte-americano e europeu, a indústria alimentícia é obrigada a informar em seus rótulos a presença de carmim de cochonilha para evitar reações em pessoas alérgicas.
A pitaia também é uma opção vantajosa quando comparada à beterraba, única alternativa usada em larga escala para a cor vermelha além do carmim de cochonilha. Ao contrário da beterraba, o corante a partir da pitaia não apresenta aroma ou sabor que exija processos adicionais para sua neutralização. A beterraba possui geosminas e pirazinas, moléculas que conferem sabor terroso e os diversos processos industriais exigidos para contornar esse efeito são dominados por poucas grandes empresas.
O engenheiro de alimentos da Embrapa Agroindústria Tropical Fernando Abreu explica que a fruta apresenta alto rendimento industrial da polpa, maior que 65%. Outra vantagem, de acordo com ele, é que para o processamento industrial basta redimensionar equipamentos já utilizados pelas indústrias de polpas de frutas. “A polpa é fácil de trabalhar com tecnologias de corte ao meio e despolpamento por esmagamento, um tipo de extração usado para melão e já estabelecido”, diz.
Ele salienta que o corante de pitaia confere uma coloração atrativa, que, quando utilizada em produtos lácteos, se assemelha ao morango. O processo de produção industrial do corante desenvolvido na Embrapa utiliza a tecnologia de microfiltração por membranas. É um processo mais complexo e que, embora represente um custo maior, apresenta a vantagem de proporcionar rendimento muito maior na concentração. “Quanto mais concentrado, menor o custo de transporte e maior facilidade operacional”, diz.
Segundo a pesquisadora Ana Paula Dionísio, da Embrapa Agroindústria Tropical, o processo de obtenção do corante, já em escala-piloto, segue princípios da Química Verde, vindo ao encontro de uma tendência de mercado cada vez mais próxima e de consumidores ainda mais ávidos por processos clean-label, ou “rótulo limpo”. Esse conceito vem ganhando força e está associado tanto à facilidade de compreensão dos rótulos pelos consumidores quanto à ideia de produtos mais “naturais”, ou seja, aqueles livres de conservantes e aditivos alimentares.
O uso de uma fruta que se adapta aos mais diversos climas como ingrediente industrial pode ser classificado como um grande ativo de inovação. Essa tecnologia abre caminho para a criação de um novo nicho de mercado, ancorado também nos conceitos da bioeconomia, como observa o pesquisador Guilherme Julião Zocolo. Ele acredita que o desenvolvimento desse novo produto a partir de um ativo da biodiversidade cria grandes oportunidades de agregação de valor e renda para o agricultor e para a indústria.
“O desenvolvimento do corante baseia-se na bioeconomia, em que recursos naturais aliados à utilização de alta tecnologia agem em consonância com propósitos de criar produtos e serviços mais sustentáveis”, diz Zocolo. Para o pesquisador, uma grande vantagem do processo de produção é que podem ser utilizadas as frutas não selecionadas para o mercado de frutas de mesa, com o aproveitamento integral de cascas. Outro ponto importante é a substituição da importação de corantes naturais com essas mesmas características. “Essa tecnologia abre uma janela de oportunidade para estruturação de cadeia.”
“O estabelecimento de sistemas de produção que atendam às demandas da indústria deve impactar positivamente pequenos, médios e grandes produtores rurais na região do Semiárido”, completa Ana Dionísio. Para ela, o corante de pitaia pode vir a ser uma nova fonte de geração de empregos, renda e desenvolvimento em regiões nordestinas fortemente atingidas pela seca. A pesquisadora lembra que a pitaia pode ser produzida por nove meses do ano e é uma cactácea de fácil cultivo.
Valor nutricional e funcional da frutaA pitaia apresentou bons resultados, em testes de laboratório, para o controle do colesterol, da glicemia e da ansiedade. Outros estudos com a pitaia, realizados anteriormente por cientistas da Embrapa Agroindústria Tropical, Universidade Estadual do Ceará (Uece) e Universidade Federal do Ceará (UFC), revelaram que a fruta pode ser considerada um alimento funcional. A fruta foi eficaz na redução do colesterol, do LDL e dos trigliceróis e na elevação do HDL. Em animais diabéticos, as doses 200 mg/kg e 400 mg/Kg apresentaram atividades farmacológicas promissoras, reduzindo significativamente a glicemia no grupo tratado. Os testes demonstraram efeito ansiolítico e ausência de toxicidade nas concentrações avaliadas. Além dos testes para determinação de atividades funcionais da fruta, os pesquisadores observaram os efeitos do processamento na composição metabólica, química, físico-química, enzimática e volátil da polpa da fruta. “A pitaia mostrou-se promissora para as indústrias de alimentos, ou até mesmo farmacêutica, como alimento funcional e fonte de compostos de interesse, que podem ser concentrados ou isolados, para amplificar seu efeito”, diz Guilherme Julião Zocolo, que coordenou também esses estudos. Foto: Ana Paula Dionísio |
Parceiros para escala industrialA tecnologia de obtenção de corante natural vermelho-violeta, a partir da pitaia, foi desenvolvida em escala-piloto nos laboratórios da Embrapa Agroindústria Tropical, com testes de estabilidade, aceitabilidade sensorial, além de pesquisas associadas a aspectos nutricionais da fruta. Agora, a Embrapa busca parceria com uma empresa da área de corantes para a elevação da escala em nível industrial e inserção do produto no mercado, para ser utilizado por indústrias de alimentos ou cosméticos e chegar até o consumidor final. “A parceria com o setor produtivo é essencial nessa etapa. Precisamos iniciar o desenvolvimento em escala industrial já com a indústria. Assim, o produto chega à sociedade com a qualidade da pesquisa da Embrapa associada aos parâmetros técnicos de produção da indústria de insumos. Essa associação acelera o processo de adoção tecnológica e transforma o conhecimento em produto final”, afirma Genésio Vasconcelos, chefe de Transferência de Tecnologia da Embrapa Agroindústria Tropical. As empresas interessadas podem fazer contato diretamente pelo e-mail cnpat.chtt@embrapa.br |
Fonte: Embrapa.